Nem todas loucuras eram apenas pegas e altas velocidades. Havia maneiras inesperadas de jogar a adrenalina para o alto.
Eu morava em Praia Grande e certa vez, ao voltar da faculdade, que ficava em Santos, dei uma passada no Bebum bar com colegas. O bate papo regado a chopp fez o tempo passar rápido e quando saà do bar já passava de meia noite.
A caminho de casa, fui surpreendido ao ver que a Ponte Pênsil estava interditada. Eu havia esquecido que estavam trocando o madeirame durante a madrugada. Ficava um buraco de uns dois ou três metros entre o novo e o velho piso da ponte. Era um vão livre com visão das águas do Mar Pequeno lá embaixo.
E agora? Ainda não havia a ponte do complexo da Rodovia dos Imigrantes que hoje liga Santos e São Vicente ao continente pela Praia Grande. Naquele tempo era somente através da Ponte Pênsil. A outra opção era fazer um contorno de mais de trinta quilômetros pela rodovia Pedro Taques sozinho, pilotando minha velha companheira RD 350 ano 74, numa fria madrugada de inverno.
Eu tinha alguma amizade com o pessoal da PolÃcia Rodoviária que dava plantão no posto da Ponte. Costumava-mos deixar os capacetes com eles para rodar na cidade, porque de Praia Grande a São Vicente havia um pequeno trecho que era considerado rodovia, e ali era obrigatório o uso do capacete.
Estacionei a moto, cumprimentei os policiais, comentei sobre meu problema, entrei a pé na ponte e fui examinar a situação. Conversei com o pessoal que estava trocando o madeirame e perguntei se não daria para fazer uma “ponte” colocando umas duas vigas de madeira ao comprido para que eu passasse com a moto. Acho que eles disseram que sim na gozação ou então para ver o espetáculo de uma RD e seu piloto despencando no mar uns dez metros abaixo.
Eu sentia que a coisa era perigosa, mas confiava na minha habilidade com a moto. Falei com os policiais sobre a solução encontrada e eles, relutantemente, me permitiram fazer a tentativa.
Quando voltei para falar com a turma da madeira eles já estavam colocando as tábuas ao comprido. Temi que elas se abrissem ao passar da moto e pedi para unirem as duas pranchas com pregos. Testei a passagem com o meu peso e senti as tábuas vergarem... -Será que agüenta a moto? Perguntei. Garantiram-me que as tábuas agüentariam bem. Acho que o pessoal queria ver tragédia.
Lá fui eu. Coloquei a roda dianteira da motocicleta na prancha e olhei para o mar escuro lá embaixo. Deu um frio na barriga que quase me fez desisti da operação. Eram somente poucos metros de equilÃbrio, uma aceleradinha, um ou dois segundos e pronto. Eu pensava tentando me convencer. Afinal, desistir naquele momento, depois do trabalho que dei ao pessoal para pregar as pranchas, pegaria mal. Tinha que manter minha reputação!
Fechei os olhos e me concentrei. Não olhei mais para baixo. Respirei fundo, engatei primeira e acelerei forte, mas com cuidado. Não havia espaço para os pés. A largura da prancha era de apenas uns dois palmos. Não havia possibilidade de corrigir um erro. As tábuas vergaram, estalaram... Mas resistiram e eu me vi do outro lado sendo aplaudido como um herói pelos trabalhadores da ponte. Foi um feito e tanto, tendo como testemunhas apenas os policiais e os trabalhadores.
Com o coração saltitando de adrenalina e orgulho, me despedi do pessoal agradecendo o favor e encarei, feliz da vida, os quatro quilômetros de estrada deserta na madrugada, com o silêncio sendo rompido apenas pelo gostoso som dos escapamentos da RD até chegar em casa.
Luiz Almeida