Para arrematar os trinta dias de minhas férias de janeiro de 2010, da qual passei a maior parte do tempo cuidando da construção de nossa casinha de praia no litoral leste do Ceará, além de ter entrado em destroços de naufrágio de submarino alemão da segunda guerra a 60m de profundidade, ter ido à Antártica na expedição de Shakleton, escalado o Aconcágua, velejado oceanos inteiros sozinho com Joshua Slocum e ido de motocicleta à Machu-Pichu, tudo isso através de bons livros, resolvi fazer um passeio real ao Parque Nacional de Sete Cidades, entre os municÃpios de Piracuruca e Piripiri, no PiauÃ, distante cerca de 500km de Fortaleza. O veÃculo, claro, a minha nova moto, uma Suzuki DL650 V-Strom.
Saimos, eu e Marta, na manhã de quinta feira, dia 28 – creio eu, que foi a única manhã chuvosa em Fortaleza naqueles dias todos de janeiro... Sair de Fortaleza à s nove da manhã, sem chuva, mas com ruas molhadas, trânsito intenso e com vestimenta de viagem é uma tremenda e estressante sauna. Minha saÃda foi focar a estrada e manter a calma.
Os primeiros 100km na BR-222 são de tráfego intenso de caminhões devido a ligação com o Porto de Pecém e estrada em péssimo estado, com a buraqueira tapada de forma improvisada. Depois a estrada melhora um pouco e o tráfego diminui. Começamos a vislumbrar a Serra de Itapajé com suas belas encostas e a velocidade de cruzeiro fica em torno de 120km/h – com viés de baixa.
Depois de uma rápida parada para descanso em Itapajé, em um posto de onde se visualiza a Pedra do Frade, seguimos adiante em direção à Sobral. Praticamente não há qualquer sinalização que indique a direção a seguir. Passa-se por diversas cidades sem saber quais são e qual sentido seguir para se chegar ao destino. As poucas placas de sinalização existentes estão completamente vandalizadas, sem sentido. Quanto abandono!
Na região de Irauçuba cruzamos - e trocamos buzinadas - com diversos participantes do Enduro Cerapió e equipes de apoio. Paramos para tomar suco de laranja depois do entorno de Sobral, sujo e movimentado. Em seguida rodamos cerca de 70km em estrada com pouco movimento e relativamente boa para os nossos precários padrões. A sinuosa subida da Serra Grande (Ibiapaba) está muito bonita e asfalto perfeito. O lamentável é que todas as placas de advertência estão criminosamente pichadas e ilegÃveis.
Em Tianguá, principal cidade da Serra paramos para abastecer a motocicleta. O odômetro marcava 329,2km rodados e o tanque foi completado com 15,8 litros de gasolina, perfazendo um consumo de 20,8km/l.
Contornamos obras na estrada no entorno de Tianguá e percebi que havÃamos entrado no Piauà pela mudança nos marcos quilométricos da estrada, bem como por seu excelente estado de conservação. Sequer placa informando divisa de Estados há. Neste excelente trecho de estrada deu vontade de acelerar mais forte, porém, lembrando que meu amigo Paulo Guedes atropelou uma vaca em viagem de Shadow 750 naquela região, mantive o punho leve e conservei os 120 por hora. Mesmo assim não me saÃa do pensamento que o Paulão atropelara a vaca rodando nos seus conservadores 90 por hora. Há animais na pista, sim. Poucas vacas, alguns jumentos, bacurins e muitos cabritos. Felizmente apenas um cabrito mais imprudente fez-me dar uma freiada mais forte.
Em trevo bem sinalizado saÃmos da BR e entramos na estrada que conduz à Sete Cidades. São dez quilômetros de maravilhosa estrada bem arborizada e cheiro de mato no ar. Finda o asfalto ao chegarmos na entrada do Parque. Fomos muito bem recebidos pelo pessoal que cuida do acesso ao Parque e nos recomendaram hospedagem em pousada existente dentro da área de preservação. Da entrada até a pousada foram cinco quilômetros de estrada com piçarra tipo rÃpio, cheia de pedrinhas soltas e um pouco de areia frouxa, mas não foi complicado rodar com a V-Struminha mesmo com pneus na calibragem máxima, garupa e bagagem. Chegamos à pousada à três da tarde.
Imediatamente nos instalamos em apartamento com ar-condicionado e nos livramos da sauna ambulante que vestÃamos. Há cem metros da pousada há uma piscina natural cercada por frondosas árvores e foi para lá que fomos, levando castanha de caju, isopor com latinhas de cerveja, coca-cola e rum. Só eu e Marta. Que água deliciosa! Que cerveja divina!
Ficamos na piscina até o anoitecer, ao som sinfônico da passarada. Voltamos para a pousada guiados por centenas de pirilampos. Jantamos e nos recolhemos para descansar.
A passarada anunciou o amanhecer. Após um frugal café da manhã contratamos um guia e fomos conhecer o parque. Andamos cerca de dez quilômetros pelas estradas e trilhas. Conhecemos cinco da sete cidades do parque. São formações geológicas impressionantes cujo formato diversificado nos faz ficar a imaginar formas diversas, tal como crianças vendo figuras em nuvens. Há Ãndios moicanos, cabeça de D. Pedro I, tartarugas, biblioteca, elefantes, reis, camelos, dinosauros e falos, muitos falos... Também encontramos diversos tipos de desenhos rupestres feitos por tribos que viveram na região há cerca de seis mil anos, segundo apontam os pesquisadores da região. Em 1928, o historiador austrÃaco Ludwig Schwennhagen visitou Sete Cidades e descreveu-as como ruÃnas de uma cidade fenÃcia, fundada há 3 mil anos. Nos anos 60, Erich von Däniken, no seu famoso livro “Eram os Deuses Astronautas?” descreveu Sete Cidades como uma evidência da presença da inteligência extraterrestre na Terra. Posteriormente, em 1974, o francês Jacques de Mahieu, considerou Sete Cidades como um estabelecimento fundado por vikings. O silêncio no interior da parque também impressiona quem está acostumado com as cidades. Naturalmente baixamos o tom da voz.
Depois de quatro horas de caminhada voltamos para a pousada debaixo do sol e calor do meio dia. Não almoçamos. Fomos nos refrescar na piscina, fizemos um lanche e à s três horas da tarde, conforme combinado com o guia, saÃmos para conhecer o restante do parque. Agora motorizados; eu na V-Strom e o guia de Biz. Mesmo tendo parado em todas a formações que encontramos, fiquei com a sensação de que motorizado o parque fica menor do que é e de ter perdido alguma coisa.
Como não poderia ser diferente, o sol do Piauà é muito forte e de claridade intensa. Para fotografar o ideal é sair de manhã bem cedo ou depois das quatro horas da tarde, aproveitando para assistir do pôr-do-sol no mirante da Segunda Cidade, a mais imponente de todas.
No geral o Parque Nacional de Sete Cidades está muito bem cuidado. Tudo bem preservado, sinalizado e limpo. É um lugar que vale a pena conhecer.
Ao final da tarde fomos à Piripiri, distante 20km de Sete Cidades. A cidade tem em torno de 70 mil habitantes e ,pelo visto, a maioria de mulheres – muitas mulheres bonitas e curiosas. Marta deixou-me só por alguns minutos enquanto foi à uma farmácia que eu, ao lado da V-Strom quase fui comido pelos olhos de dezenas de moças que pilotavam suas motos e reduziam a velocidade ao me ver, encarando-me graciosamente gulosas. Ou será que as meninas olhavam mesmo era para minha motocicleta?
Retornamos à Fortaleza pela mesma estrada que fomos. Viagem tranquila, tirando alguns malucos que faziam imprudentes ultrapassagens, quase sempre nas proximidades de Sobral. Abastecemos mais uma vez em Tianguá (20,6km/l), descemos a sinuosa estrada da serra apreciando a bela paisagem e com a cautela necessária.
Pouco antes das três da tarde chegamos a Fortaleza. Rodamos 970km (ida e volta) sem sobressaltos, contando com o conforto e bom desempenho da DL650. Antes de ir para casa paramos em um bom restaurante para repor as energias e, claro, fazer a tradicional hidratação com cerveja gelada.
luizdl650@gmail.com
(85) 99992-4592
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