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Destaque

Viagem à Aracaju

(Visita ao Euclides)

1- Aracaju???

Em viagem ao Sul da Bahia e Chapada Diamantina realizada em 2006, saí de Aracaju dizendo que aquela cidade não gostava de mim e que não mais voltaria lá. Nada de especial aconteceu, mas entrar numa cidade em começo de noite chuvoso, com seus acessos em obras, trânsito congestionado, e sem saber que rumo tomar não é nada agradável. Havia na minha agenda um contato na cidade que consegui através do Brazil Riders ou Clube XT600. Era uma pessoa de nome Euclides, que se prontificara a dar o apoio necessário, mas que eu não tinha a mínima ideia de quem seria. Chovia muito. Quando finalmente consegui reencontrar os outros dois companheiros de estrada, paramos numa lanchonete.

Liguei para Euclides, informando aproximadamente onde estávamos e solicitei indicação de pousada. Ele respondeu que não saberia indicar um hotel ou pousada, mas que viria ao nosso encontro para ajudar no que fosse necessário. Ora, não iria deixar uma pessoa sair de casa, imaginei que de motocicleta, à noite e debaixo de chuva apenas para nos ajudar a encontrar pousada. Ele insistiu, mas recusei a ajuda ficando muito grato pela disposição dele. Nos alojamos razoavelmente bem e, dia seguinte, partimos em direção a Salvador (Ba) sem sequer termos visto o mar que banha a cidade. Este episódio está no relato de viagem que escrevi sobre a viagem de 2006.

Passa o tempo e volto a manter contato com o Euclides através do M@D, fórum de motociclistas de que participo há muito tempo.

Em julho deste ano (2011), Jota, velho e bom amigo do M@D, sugeriu uma viagem a Aracaju, para visitarmos o Euclides e demais membros do fórum na cidade. Relutei, a princípio – Aracaju?... Mas a ideia foi tomando corpo e resolvemos que, no dia sete de setembro, Jota sairia de Belo Horizonte e eu de Fortaleza rumo à capital de Sergipe.

2- Fortaleza-João Pessoa (Quarta feira 07/09/2011)

As mala laterais da DL 650 V-Strom já estavam, de véspera, carregadas na moto. Incluindo o bauleto, a mala de tanque, e Marta, minha namorada na garupa, viajaríamos com carga total na motocicleta.

Saímos de Fortaleza às seis da manhã, com tempo bom e tradicional forte vento de proa. Rodamos 145km na rodovia Ce 040 até Aracati para o primeiro abastecimento e rápido descanso. Na monótona reta até Mossoró, Br 304, o motor da Struminha ronronava tranqüilo, empurrando-nos na faixa dos 120/130km/h. Quando contornávamos Mossoró, um motoqueiro avisou que uma das malas laterais estava aberta. Isso gerou uma rápida parada imprevista e seguimos em frente. Por conta disso, resolvi alongar a tocada até Lages, a 242km do último abastecimento, deixando de descansar em Assu conforme pensei inicialmente. Em Lages a Struminha bebeu 16,02 litros de gasolina, perfazendo um consumo de 15,13k por litro.

Marta comentando:

"Eu estava muito comportada na garupa, Luiz comandava a viagem. Ele havia, anteriormente, reclamado da minha necessidade de paradas mais amiúde. Mas confesso que adorei a parada por conta da mala lateral aberta. Era hora de alongar o corpo, esticar bem as pernas (que não são pequenas ! ). O ruim? Era em Mossoró, terra que além de ter águas quentes, também tem o ar quente e sufocante, acrescente-se a isso a nossa indumentária, e teremos um forno ambulante. Fazer o quê? Nem tudo é perfeito."


Com a visão dos edifícios de Natal ao longe, por volta do meio dia chegamos a Parnamirim, onde fizemos uma parada para um sorvete e descanso. Marta está suportando muito bem estiradas acima de 150km, mas é bom não abusar, afinal não estamos em busca de recordes de bundas duras. O legal de uma motocicleta com boa autonomia é que nem sempre é necessário abastecer em cada parada e de ter a possibilidade de escolher onde se vai completar o tanque. Porém, paradas para pequeno descanso se fazem necessárias, pois a autonomia da moto é maior do que a autonomia da bunda.

A partir de Parnamirim a Br 101 está duplicada e nova, mas ainda há muitas lombadas sem a devida sinalização. Será que essa gente do Denit nunca ouviu falar em fotosenssores?

O relógio marcava duas e meia da tarde quando entramos na zona urbana de João Pessoa. Fomos direto para a praia do Jacaré, pensando em ficarmos numa pousada já conhecida, pertinho do famoso recanto onde se observa o pôr do sol ao som do Bolero, de Ravel. A pousada estava desativada. Deixamos a questão de hospedagem para depois e fomos almoçar em um dos restaurantes sobre palafitas, aguardando o show do final do dia, tomando cerveja e curtindo o ambiente.

Marta:
"De pé, por muito tempo ainda depois da chegada (adivinha por quê?), aguardamos uma carne de sol com macaxeira, prato típico do paraibano. A espera foi recompensada. A macaxeira tava do jeitinho que eu gosto, desmanchando, molinha. Ponha manteiga de terra por cima, e aí é só se deliciar. Especial."

A programação de final de dia no Jacaré já foi melhor. Atualmente tem gente demais, barulho demais e tudo muito caro. Para piorar, ainda há, além de outra embarcações, dois catamarãs de duplo piso que vendem passeios e que, no momento do Bolero com o sol sumindo no horizonte, ficam na frente da visão de quem está nos restaurantes. Difícil fotografar o saxofonista a bordo de uma canoa sem a poluição visual das embarcações em volta.

Marta:
"Concordo com Luiz. O turismo em grande escala prejudica o lugar. Há uma poluição sonora incomodante, todos querem ouvir seus forrós em uma altura competitiva. Os prejudicados? Todos nós. A lembrança que me vem a mente é o de um caroço de manga chupado e cheio de mosquitos em cima."

Noite feita, saímos do Jacaré em busca de pousada, que segundo nos foi informado, seria fácil encontrar em Camboinha ou em Cabelelo.

Em Camboinha a única pousada existente estava desativada. Fomos para Cabedelo. A rua principal da cidade estava interrompida por desfile do Dia da Pátria e uma confusão danada no trânsito. Desisti. O jeito foi retornar e seguir para Intermares e depois João Pessoa. Acho que eu havia esquecido de como é complicado encontrar pousada razoável em João Pessoa. Perguntando aqui e ali chegamos numa Pousada do Caju e pernoitamos em segurança.

Marta:
"Dormir? Desmaiar era a palavra mais adequada, no meu caso. Mas eu fico mesmo é impressionada com a disposição do meu namorado, pilota com tanto prazer que nem se cansa. Haja energia pra acompanhar o pique do Luiz."

3 – João Pessoa/Aracaju (Quinta feira 08/09/2011)

O café da manhã na pousada só é servido a partir das sete horas, e Marta aprecia isso, tivemos que sair de João Pessoa um pouco mais tarde do que eu desejava. Os amigos m@dianos Gustavo Erivan e Diego Nunes nos aguardariam em Abreu de Lima, na entrada de Recife. Fiquei um pouco estressado na saída da cidade porque me fizeram uma indicação errada e eu quase entrei no caos do centro de João Pessoa. Dobra aqui, pergunta ali, sente-se perdido acolá e finalmente alcançamos a Br e torci o punho no rumo de Recife. Saber que alguém está à minha espera me deixa meio angustiado. Não gosto de me atrasar.

O tráfego intenso e a forma caótica com que tem sido feita a duplicação da estrada deixaram esta parte da viagem um pouco tensa. Porém, chegamos dentro do previsto no posto de combustíveis combinado e lá estavam os amigos. Jogamos uma meia hora de conversa fora, abasteci a moto e fomos juntos nos aventurar no caldeirão do inferno que era o contorno da Região metropolitana de Recife – calor, caminhões, muitos caminhões, mal cheiro, pistas interditadas, acidentes, carretas enguiçadas, filas de caçambas, vans e furgões em todo e qualquer estado de conservação imaginável, além de muito barulho, por sei lá quantos quilômetros. Tudo isso sem nenhum policiamento ou controle de tráfego. Entre filas de carros e caminhões, entre brechas nos acostamentos, fomos nos espremendo no meio daquela loucura sem fim e, como que saindo de um pesadelo, acordamos na estrada mais perfeita de toda a viagem: a Br 101, da entrada do Porto de Suape até Palmares – rodovia duplicada com sinalização perfeita e deliciosas curvas. Foram 130km de prazer e curvas para se curtir acelerando forte.

Marta:
"Foi como sair do inferno e entrar no céu. Parecia que estávamos numa rodovia de primeiro mundo. Luiz deitava a V-Strom nas curvas, uma delícia. Acho que assustei os amigos algumas vezes, esticava as pernas e elas quase tocavam o chão. Sinto-me muito segura na garupa de meu namorado, só me ocupo em abraçá-lo, sentindo o vento e curtindo a paisagem. Esta confiança na pilotagem é essencial. Tenho amigas garupeiras que pretendem pilotar junto com seus consortes. Resultado: reclamações, aborrecimentos, lesões corporais também, algumas até aplicam beliscões nas costelas deles. Neste momento, eu entendo quando escuto alguns deles dizendo que deveriam ter vindos sozinhos."

Chegando a Palmares entendi que meus amigos não tinham nada o que fazer na cidade. Nos acompanharam pelo prazer de estar na estrada, pelo prazer de rodar junto. Não preciso dizer o quanto fiquei lisonjeado e feliz com tal deferência. Foi bom estar naquela estrada com vocês, Diego e Erivan!

A partir de Palmares a estrada ainda não está duplicada e o tráfego ficou mais denso e pesado. Há obras e muitos desvios na pista, cada um com umas quatro lombadas altas. A maioria dos desvios são contornos em viadutos em construção. O interessante é que em dezenas de viadutos reparei que apenas dois eram sobre estradas vicinais, de barro. Os demais viadutos eram sobre os canaviais mesmo – inúteis! Deu para entender direitinho o que um então presidente do Denit dizia sobre “ mudança no escopo” para justificar Termos Aditivos aos contratos licitados...

Na BR 101, bem como em muitas outras estradas, há diversos trechos de terceira faixa nas subidas, destinadas a caminhões e outros veículos lentos. São uma “mão na roda” para evitar filas de caminhões. Porém, pode ser que algum sabidinho em sentido contrário queira fazer ultrapassagem proibida se aproveitando disso. No entanto, a terceira faixa pode conter manchas de óleo, sujeira ou até mesmo um caminhão parado, depois de uma curva, fora do nosso alcance de visão. O ideal - conversei sobre este assunto com o Jota e agimos exatamente da mesma maneira - é trafegar praticamente na faixa que separa a estrada normal da terceira faixa.

Paramos em Pilar (AL) para descanso e aproveitei para abastecer a moto. 19,22km/litro. Um ótimo consumo, levando em conta o tráfego travado no contorno de Recife e a boa velocidade que andamos até Palmares.

Começava a anoitecer quando encontramos uma imensa fila de caminhões e carros parados na estrada. Imaginei um acidente. Diante de tantos veículos parados resolvi conduzir cuidadosamente a moto pelo acostamento até que, cerca de dois quilômetros à frente, percebemos que era uma interdição parcial da pista por conta de obras em uma ponte na cidade de Maruin, em Sergipe. Havia uma viatura da PRF e me dirigi ao policial perguntando se poderia seguir em frente, ele, meio que alheio àquela confusão fez um gesto de ok e estacionei a moto ao lado de um caminhão que estava como primeiro da fila. Já havia outras moto no local.

Uma ambulância com sirene ligada chegou. Vi o motorista da ambulância se dirigir à pequena guarita onde deveria estar o controlador daquele caos e voltar. Passou o tempo e nada de se inverter o fluxo da passagem. Fui até a guarita lembrar ao controlador que se havia uma ambulância certamente havia uma pessoa correndo risco de vida. O cara ficou uma arara e me respondeu grosseiramente. Quando ia devolver a grosseria um dos motociclistas que estava por perto me informou que o cara da guarita estava bêbado e que não valia a briga. É, pensei, não é briga minha e ainda tem um cabra da PRF na área. Não valeria a pena.

Quando finalmente fomos liberados, seguimos escoltados por um camarada numa XRE300. No lusco-fusco pouca coisa via à minha frente. Logo entramos em pista dupla e nosso guia momentâneo só se despediu quando já estávamos dentro da cidade.

4 - Aracaju!

Parei no mesmo posto que havia parado em 2006, em uma pequena rotatória ao término da avenida de acesso à cidade. Telefonei para o Euclides que informou que o Jota tinha acabado de chegar e estava num posto vizinho e que o Paulinho logo apareceria para nos conduzir pela cidade. Se eu e Jota tivéssemos combinado hora e ponto de encontro não teria dado tão certo.

Jota chegou ao posto e logo estávamos com latinhas de cerveja brindando à nossa amizade. Paulinho logo chegou, de carro, e também participou dos brindes. Seguimos nosso guia por um trânsito bem congestionado, mas sem estresse nenhum, chegamos à pousada que nos foi indicada, a Pousada do Farol, bem no início da orla de praia da cidade.


Euclides e amigos já nos aguardavam no restaurante Ponto da Picanha, não muito longe da pousada, aliás, até que era bem perto. Tiramos as tralhas das motocicletas e fomos para nossos aposentos. Marta ainda iria tomar banho e se arrumar. Jota também resolveu se banhar. Eu, como não queria fazer o “polvo” nos esperar no restaurante, resolvi, já que a estrada purifica, não tomar banho, só trocar a camiseta. Marta desceu e nada de Jota. Esperamos uns dez minutos e eis que chega o cabra todo arrumadinho, barba feita e tudo mais. Riégua mineiro fresco!

Pegamos um táxi, bastava de montar em motocicleta por aquele dia. Era pertinho e acho que o retorno na avenida foi mais distante do que o percurso propriamente dito. A turma toda estava lá e foi uma grande festa. Sentamo-nos à mesa com Euclides e sua esposa Tâmara, com Paulinho, Laércio, Bruno e Felipe. Euclides, um simpático camarada na faixa do 45/50 anos não era nada do que eu poderia ter imaginado em 2006. O empresário quarentão e bem sucedido, dono de uma V-Strom 1000 preta, não estava dentro das possibilidades do que eu esperara, perdido em Aracaju, naquela confusa noite chuvosa na última vez em que estive na cidade. Foi uma ótima noitada com direito a muita conversa regada a cerveja e um bom jantar com amigos.

De volta à pousada, finalmente um bom e relaxante banho morno seguido de um bom sono embalado pelas deusas das estradas e das cervejas.

Marta:
"Uma das grandes alegrias de uma viagem é chegar ao seu destino. Isto quer dizer que, no dia seguinte, não precisamos acordar de madrugada, podemos dormir até mais tarde. Como eu gosto disso. O sono foi justo e merecido. Ficou combinado que os amigos nos pegariam por volta das dez horas. Era hora de conhecer Aracaju."

5 - Aracaju – Passeio no Litoral Sul (Sexta feira 09/09/2011)

Euclides foi nos buscar na pousada por volta das dez da manhã. Foi de rural (camionete l200), já que não daria para passear na cidade conversando e pilotando motocicleta. Seguimos pela orla de praia da cidade – a mais bem urbanisticamente estruturada de todo o Nordeste – até o final do asfalto e continuamos pela areia da praia até chegarmos a uma embocadura de rio. Tudo muito interessante e pitoresco. Aracaju tem muito para crescer e se especular na orla. Saímos da praia e fomos passando por pequenas vilas, ruas de areia, depois um lugar bem urbanizado, Orla do Mosqueiro, com barcos esportivos na água e, por fim, paramos em um ponto de atracação de ferry boats. Havia no lugar uma grande ponte em construção e um ferry-boat lutando para passar entre seus vãos. Acho que é o ponto de embarque para Mangue Seco, famosa praia cenário de filmes e novelas outrora tão inacessível. De onde estávamos dava para ver as dunas de Mangue Seco.

Notamos que passava das onze horas; hora de bater o “centro”. Euclides trazia na caçamba da rural uma caixa térmica abarrotada de latinhas de cerveja mergulhadas no gelo. Saúde e Sorte!

Tal qual as pessoas, os lugares têm suas peculiaridades. Observei que em Sergipe, as canoas de pesca artesanal possuem velas duplas e quadradas, bem diferentes das jangadas com vela latina do Ceará.

Conversando e fotografando, tomamos uma meia dúzia de umas três ou quatro rodadas de latinhas, bateu uma chuva besta e passageira e Euclides resolveu nos levar à Praia do Saco, uma mistura de rio e mar, para, em um simpático boteco, continuarmos a conversa e Marta devorar sua cota de uma dúzia de cinco ou oito caranguejos. A maré na Praia do Saco tem ameaçado destruir muitas casas de veraneio nas vizinhanças.

A tarde se encaminhava para o fim quando fizemos quase o mesmo caminho de volta. Paramos para observar um pequeno cemitério onde foram sepultadas vítimas de um naufrágio próximo àquela praia. Havia muitos despachos de macumba. Galinhas pretas, charutos de qualidade duvidosa, cabeças de bodes também pretas e mais uma ruma de coisas dentro de panelas de barro muito bem fabricadas. Até pensei em levar uma daquelas panelas (alguidás) para eventualmente fazer uma moqueca...

Marta:
"Marta não deixou."


Detalhe: nosso anfitrião e motorista dirige muito cuidadosamente antes e depois de algumas cervas.


Escurecendo, chegamos à Passarela do Caranguejo, provamos um estranho amendoim cozido, tira-gosto muito comum na cidade e preferimos castanhas de caju para acompanhar as últimas cervejas do dia. Fomos devolvidos à pousada lá pelas nove e tantas da noite... sei lá...

Marta:
"Algumas pessoas ficam impregnadas na nossa mente. O vendedor de amendoim cozido (Erg! Eco!) foi uma destas pessoas. De baixa estatura, rosto moreno, sorriso farto, espontâneo, carregava na cabeça, sem nenhum esforço, um saco bem grande com amendoins. Um equilíbrio ímpar mantinha o saco firme a cada movimento feito. Não insistiu para vender seu produto, aquietou-se à cabeceira de nossa mesa, e lá ficou assistindo a um filme que passava na televisão próxima. Parecia que, para ele, o tempo havia parado. Nada pedia pressa ou movimentos bruscos, nada pedia máscaras. Ele era ele, em toda sua simplicidade, em todo o seu jeito de menino encantado com imagens de sonhos. Luiz o fotografou, mas nem era preciso. Ele vai ficar nos meus arquivos mentais, independentemente de minha vontade. Nestes momentos, entendo o que Carl Rogers e Martim Buber, mesmo que de forma distinta, queriam dizer quando falavam em “encontro humano”."



6- Churrasco na Casa do Euclides (Sábado 10/09/2011)

Logo depois do café da manhã, fomos visitar o Oceanário que fica na orla. O que mais me impressionou foram as enormes moréias que ficam em um aquário juntas com grandes arraias e um mero grandalhão. As moréias pareciam monstros marinhos. Não gostaria de me encontrar com um bicho daqueles embaixo d’água... Por lá encontramo-nos com Jota e Agostinho e depois voltamos para a pousada.

Paulinho, prestativo como sempre, nos apanhou na pousada com seu carro. Jota foi de moto porque ficaria hospedado em um “canil” disponibilizado pelo anfitrião. Euclides mora um tanto afastado do miolo da cidade, numa bela chácara bem jardinada, piscina, deck e churrasqueira, além de uma ruma de aves e cachorros. Dentre a bicharada, destaco o Hugo, um enorme cão fila brasileiro, muito dócil, quase ignorando os visitantes, mas com uma expressão de idolatria silenciosa para com o dono, raramente se observa isso em cães.

M@D reunido para um churrasco - vamos aproveitar para falar mal dos ausentes! Quando chegamos já estavam Augusto Erivan e Karine, sua esposa, que haviam chegado de Recife, Jefferson “Crique_aqui”, já cuidando do braseiro e Agostinho que havia chegado de Salvador. Conforme o pessoal ia chegando a conversa ficava mais substanciosa...

Levei, de presente para o Euclides, uma garrafa da cachaça cearense Ypioca 160 anos, para se contrapor a uma cachaça mineira que o Jota havia prometido, porém, por Seus inexplicáveis desígnios, deixado de levar. Ao provar a bebida, Euclides disse: coisa deliciosa de Deus. Se ele não tivesse protegido a garrafa, a cachaça teria acabado logo, principalmente por conta de Jota, o Próprio, que sempre queria mais uma “provinha”.

Foi um dia inesquecível. Bons amigos, boa comida, cerveja à vontade e muita conversa fiada. Compareceram à festa na casa do Euclides, além do anfitrião e Tâmara, sua esposa e de mim e Marta e do agora hóspede Jota, Gustavo Erivan e Karine, Paulinho, Jefferson, Bruno, Agostinho e Laércio. Senti falta do Radi, m@adiano antigo, que gostaria de conhecer pessoalmente, que não pode comparecer.

Fomos despachados para a pousada lá pelas dez da noite... sei lá!

Marta:
"Lugar gostoso de se estar a casa de Euclides e Tâmara. A vibração do lugar tem muito da alma dos donos. Propriedade bonita, tal qual Tâmara. Acolhedora, tal qual Euclides. Não que as duas qualidades não estejam presente nos dois, estão. O cuidado em oferecer aos amigos uma estadia gostosa, estava presente na boa comida preparada por Tâmara, no rosto de Euclides se via sempre a pergunta se estávamos sendo bem tratados, se estava faltando alguma coisa. A água de coco geladinha, a farofa gostosíssima, o feijão caprichado, a rede do Hugo, oferecida sem uma prévia consulta ao dono, o dia sem trabalho para ser ofertado aos amigos, tudo fala da alma dos anfitriões. Alma farta, leve e generosa. Com tudo isso, quem queria ir embora? Ninguém. Já íamos com 12 horas de farra e ninguém queria ir embora. Sugeri que os anfitriões colocassem vassouras atrás da porta, sal para queimar em uma caçarola, mas foi mesmo na marra , não sem protestos do Luiz, que consegui ir para o hotel, esperar mais um dia rico ao lado dos novos amigos."

7 – Praias do Norte (Domingo 11/09/2011)

Euclides e Tâmara, mais Jota, nos apanharam de rural na pousada para um dia de passeio nas praias do lado norte de Aracaju. Passamos por uma parte mais antiga da cidade, que se encontrava limpa e bem conservada, atravessamos a ponte que cruza o Rio Sergipe e chegamos á Praia de Pirambu. Nada de muito interessante nesta praia, principalmente para cearenses. Mas o que vale é conhecer e quem faz o ambiente é a companhia. Armamos nossa barraca na palhoça anexa a um restaurante, na areia da praia, e passamos mais um dia jogando conversa fora, molhando o bico com cervas (menos Euclides que estava abstêmio neste dia) beliscando castanhas de caju e camarões ao alho e óleo.



Almoçamos muito bem no restaurante e o “diabinho ladrão de tempo” atuou sem caridade, pois, sem que percebessemos, o dia escureceu e a lua estava brotando de dentro do mar.

Marta:
"Sou uma mulher inteligente. Mas, diacho, ô coisa complicada é entender o sol se pondo no lugar errado, e a lua nascendo onde devia estar indo dormir. “Ariadinha” (Pra quem não sabe o significado desta palavra, ver dicionário Cearês: Sem área, com a bússola doida, sem se achar). A primeira vez que isso aconteceu, estávamos em Alagoas, numa das poucas praias mais bonitas que as nossas Praias de Redonda, Peroba e Ponta Grossa, no Ceará. O lugar era a Ilha da Croa, acessível, na época, só por ferry boat. Estávamos no bar do Seu Pio, homenzinho de menos de metro e meio de tamanho, mais com uma acolhida fantástica, em sua barraquinha de palha à beira do mar. E aconteceu: a lua nasceu no lugar errado. “Ariei” totalmente. Luiz, o mundo tá se acabando, falei agoniada, brincando. Ele riu, e me explicou o fenômeno. Desenhou o mapa do Brasil no chão, falou que tínhamos dobrado a esquina do continente. Num teve jeito. E olhe que sou uma mulher inteligente. Bateu um frio. Foi preciso o caldinho de Mocotó, jantar do seu Pio, para me aquecer e confortar um pouco. Em Aracaju, foi a mesma coisa. Fica pra entender na próxima vida... Viu, Euclides."


Fomos largados na pousada pelas sete da noite, com a combinação de nos encontramos no dia seguinte ás oito e meia da manhã, para pegarmos estrada rumo a Piranhas, em Alagoas, começando nosso retorno para casa.


8- Aracaju/Piranhas ( Segunda feira 12/09/2011)

Euclides, trazendo Jota a reboque, chegou quase nove horas. Eu já estava com tudo pronto para a viagem, malas na moto, motor aquecido, etcétera e etcéteras. Nos despedimos agradecendo a hospitalidade do Euclides e do pessoal de Aracaju. Ainda tivemos uma última gentileza, Euclides nos forneceu um motoqueiro de sua empresa para nos servir de guia até a saída da cidade. Achei bem fácil sair de Aracaju, desta vez...

Marta:
"Despedidas. Nunca é fácil se despedir. Como diz o Luiz, cai um cisco no olho. Luiz, ao se despedir de Euclides, diz forte para mim: Marta, não chora! (Acho que é porque se eu chorar, ele chora também). O caseiro da casa de Euclides perguntou se eu era irmã de seu patrão. Respondi-lhe que, nesta vida, não. Acho que ele num entendeu muito não. Mas, em poucos dias de convívio, desenvolvi um carinho e amor especiais por Euclides, coisa que se sente por irmão. A sensação de que o encontro é, na verdade, um reencontro. Agora vá explicar isso para um sujeito que é ateu convicto. É quase impossível. E o reencontro passa por Tâmara também. Ainda guardo comigo o calor e a força do abraço de despedida da Tâmara, além de sua carinha de surpresa ao me ouvir dizer que não gosto de trabalhar, só trabalho por que é o jeito. Enfim, são coisas que vão ficar, pra sempre, grudadas na minha alma."

Paramos num posto para abastecer a moto – a medição de consumo deu 20,72km/litro. Entramos na BR 101, estrada sem gentilezas, por cerca de 32km, até pouco depois de Maruim, e entramos à esquerda na direção de Siriri, em uma boa e tranqüila estrada estadual, a SE 206. Curtimos uma tocada suave na faixa de 100/110km/h, sem estresse, sem ultrapassagens. Fotografei visualmente muitas cenas de pessoas, paisagens e animais. Foi relaxante. Observei também a suave transição de Mata Atlântica para Caatinga, mudando de clima ameno para o calor do sertão .

Em Canindé do São Francisco, por volta de meio dia, paramos em um posto para descanso, água, xixizinho e um pouco de prosa. Assim que tirei meu capacete o telefone tocou. Era Pablo, de Fortaleza. – Ainda bem que você ligou assim que tirei o capacete, não ao contrário como sempre costuma acontecer, eu falei. Pablo disse que tinha notícia ruim para me dar. Naquela manhã de segunda feira, o grande amigo Jackson, motociclista das antigas, havia sofrido um infarto fulminante quando chegava para trabalhar em sua pizzaria/restaurante. Ficamos muito abalados com a triste notícia. Difícil acreditar que uma pessoa tão alegre, ativa, simpática e querida como o Jackson viesse a morrer do coração. Falei para o Jota de quem se tratava e ele lembrou que eu o levei à pizzaria onde conheceu o nosso amigo. Demos um tempo para absorvermos o choque da notícia e seguimos viagem para Piranhas, que estava há menos de 10km.

Marta:
"Por muito tempo tive medo da morte, nem falava sobre ela, pra não dar azar. Com a morte de meu pai, Eudo Carvalho Monteiro, tive de enfrentá-la, mesmo sem muita coragem. Parecia que eu estava sendo rasgada por dentro. Não foi fácil. Já se vão seis anos, e, às vezes, ao me dirigir para a casa de meus pais, a dois quarteirões de chegar, me sufoca a garganta a lembrança de que ele não está me esperando lá. As lágrimas caem, é a saudade que chega. Jackson era aquela pessoa que enchia o ambiente em que estava, seu riso, sua gargalhada e sua voz forte e limpa sempre anunciavam sua presença boa. Estivemos juntos, Luiz e eu, Jackson e Rosinha, em muitos momentos bons e inesquecíveis, na Lagoinha, na Pousada do Salema, em noites de lua cheia, no Restaurante Full Xico, comendo o cabrito coiceiro, preparado por nosso amigo Sampaio, na festa dos meus 41 anos, na Redonda, na inauguração de nossa casa na Praia de Peroba, enfim, construímos felicidades juntos. A notícia de sua morte me tirou a força das pernas. O coração ficou apertado, as lágrimas fluíram sem pedir minha permissão para isso. A paisagem ficou borrada, o capacete embaçou. O resto do dia foi pesado. Na hora de colocar o “béquini”, pra irmos à barragem de Xingó, caem muitos ciscos nos olhos do Luiz. Mas o que vivemos com as pessoas que se foram, fica em nós, armazenado. Aprendi a caminhar de mãos dadas com meus medos, a morte era um deles. Quando conseguimos isso, o que parecia monstruoso, perde tamanho. Resta-nos esperar que a Vida nos junte novamente. E assim o é."

(Ao ler este texto da Marta, ciscos voltaram a pousar nos meus olhos)

Atravessamos a bela ponte sobre o São Francisco, com direito à vista da barragem de Xingó e logo estávamos na pequena e histórica Piranhas. Entre a pousada Maria Bonita e a Lampião, ficamos na Lampião, porque as motos ficariam em área murada, enquanto que na Maria Bonita, ficariam na rua, pois o acesso à pousada é feito por escadarias.

Tiradas as tralhas das motos e ocupantes, fomos procurar um boteco para matar a sede. Em direção ao rio, havia um bar aberto, mas uma camionete abusava da música ruim e em alto volume. Essa praga parece que me persegue! Outros dois estavam fechados, era segundona... Descobrimos mais para a direita um local aberto e fomos muito bem recebidos pela Ivânia, dona do restaurante. Logo estávamos brindando à memória do Jackson com bons copos de cerveja.

Dona Ivânia deu várias dicas sobre a região e sugeriu que fizéssemos um passeio, naquele dia mesmo, até a Grota do Angico, local onde foram mortos Lampião, Maria Bonita e outros cangaceiros. Falou que conseguiria uma “voadeira” (barco de alumínio com motor de pôpa) para nós. Não demorou bebermos duas garrafas de cerveja e lá estava a voareira na margem do rio para o passeio. Embarcamos deixando a conta das cervas para a volta e lá fomos nós rio acima, entre poderosas margens escarpadas e assustadores redemoinhos. Mas a voadeira passava os obstáculos como uma V-Strom passa as buraqueiras das estradas, sem susto, apenas turbulência leve.

Marta:
"A cidade de Piranhas parece que parou no tempo. Tenho a sensação de estar no tempo do império. Casas antigas, linha de trem, ponte de pedras, muitas ladeiras, igrejas simples e singelas, meio que emolduram o Rio São Francisco. Ah, o velho Chico! O Rio tem uma cor fantástica, de um verde esmeralda/turquesa, a mesma cor que encontrei no corrimão da escada, de pedra Jade, do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. A mesma energia, só que em movimento, muito movimento. Redemoinhos gigantescos nos dão a impressão de que vão engolir tudo que a eles chegar. Nossa voadeira os desafia, passando sobre eles com determinação e vigor. A água é gelada, mesmo em pleno meio dia. A areia grossa de rio sustenta meus pés doloridos das botas de viagem. O rio me sustenta, também nas minhas dores de alma."

Vinte minutos depois, chegamos ao ponto de apoio onde se inicia a caminhada, de trinta minutos, até o local do conflito último do mais famoso dos cangaceiros. Um guia se apresentou e começamos a caminhada pela caatinga bruta, entre mandacarus, xique-xiques, urtigas, toda aquela retorcida vegetação xerófila, e muitas pedras, subidas e descidas. O problema dos guias em geral é que eles falam demais e cometem muitos equívocos históricos que podem passar despercebidos por quem não conhece os fatos. O melhor é pedir que falem apenas quando perguntados.

Marta:
"Eu e Jota nos entreolhávamos, rindo da situação. O guia, coitado, não sabia quase nada da História verdadeira. Luiz o sabatinava. Diante de seu desconhecimento, dava-lhe lições de História. O guia, indócil, não podia parar seu discurso, haja vista o fato de ser decorado, tendo necessidade de ser dito de um só fôlego. A guerra tava feia. Nós nos divertíamos, além de aprender coisas novas com o discurso do Luiz. Tudo era muito seco, áspero, até o ar. Não havia muito verde, os galhos quebravam facilmente. Deixei-os ir um pouco adiante, queria sentir o lugar. Arrepios me percorriam a pele. No local da chacina, a alma pedia silêncio. E o guia não parava de falar, parecendo um papagaio em areia quente. Até Luiz estava em silêncio. Podia não saber explicar, mas sentia o lugar em plenitude."

Chegamos ao local onde aconteceu o morticínio famoso. Fica em um leito seco e pedregoso de rio. Há uma placa com os nomes dos cangaceiros mortos e dois crucifixos. O local seria mais circunspecto em silêncio... O guia contou que todo ano se realiza uma missa naquele local. Cangaceiros, heróis ou bandidos? Recomendo leitura sobre o assunto.

Começamos a retornar, quando Marta pediu para ficar alguns minutos sozinha na Grota. Nos afastamos algumas dezenas de metros e a deixamos em sua reflexão. O caminho de volta foi relativamente mais fácil e logo embarcamos na voadeira rio acima. Navegando entre pedras e redemoinhos, apreciamos o sol poente dourando as águas límpidas, ora tranqüilas, ora turbulentas, do Velho Chico.

De volta ao restaurante da Ivânia, e às cervejas, e às conversas, pedimos um delicioso almoço com surubim (peixe típico da região, parecido com o pintado do Pantanal) ao molho de camarão e surubim grelhado. Muito bons! Com as barrigas cheias voltamos para a pousada para um descanso.

A parte antiga de Piranhas (existe um ou dois bairros fora da parte histórica) é cercada por morros e possui duas longas escadarias que parecem pernas abertas e voltadas para cima. No final de uma perna há uma igrejinha e no final da outra perna um restaurante. Quando saímos da pousada, lá pela s oito da noite, fomos caminhar pela cidade e resolvemos subir a perna, digo, a escadaria que terminava em restaurante. 387 degraus... estaria o restaurante aberto em plena segunda feira? Jota, que tem muito pecados, pensou em se livrar de todos eles de uma só vez subindo a escada de joelhos, mas parece que os pecados falaram mais alto e não quiseram partir.

A vista aérea da cidade é bem interessante. Daria para irmos de moto, mas somos "ninja" e encaramos sem susto aquela ruma (Quantidade conferida pela Marta) de degraus desalinhados. Além do restaurante há uma loja de artesanato bem sortida e uma placa em que as pessoas do século XIX saúdam as dos século XX. Ficamos numa borda do terraço vendo a lua e seus reflexos no rio. Com o tempo fez um frio legal e mudamos para a área protegida. Comemos bem, mas os filés não eram medalhões, o purê era daqueles em pó e o molho madeira era master foods...


9 – Piranhas (Terça feira 13/09/2011)

Dia seguinte bem cedo, deixei Marta dormindo, Jota também parece que gosta de dormir, e fui caminhar pelas estreitas ruas da cidade e subir novamente a escadaria para fazer algumas fotos do alto.

Depois do café da manhã, subimos nas motocicletas e fomos para Xingó, restaurante Carranca, de onde partem os saveiros e catamarãs para o passeio no Canion do São Francisco, a montante da barragem de Xingó. Quando comprava os ingressos, falei para a moça do balcão que meu temor, se além de haver muita gente, seria o som tipo forró em alto volume. Ela disse que haveria som, forró, sim, só não saberia dizer em qual volume. Ai meus pobres tímpanos, imaginei.

As 11:30h fomos chamados a embarcar. Havia uma boa quantidade de gente, mas não estava lotado. A maioria era de adultos, ficamos, portanto, livres de choro e gritaria de crianças e zoeira de adolescentes. . Começamos a navegação e o som, para meu alívio, era em volume civilizado e as músicas eram as nordestinas de boa qualidade, tipo baião, xote, etc. Com Gozaguinha, Luiz Gonzaga, Sá e Guarabira, etc. Escapei de ter que voltar nadando se tivesse de passar horas ouvindo aqueles terríveis forró/axés em alto som.

Jota descobriu onde ficava o boteco de bordo, abriu uma conta e iniciamos os “trabalhos”. O horário e a dureza da luz do sol não ajudavam muito para fotografar, mesmo assim insisti em registrar o majestoso rio e suas margens em forma de falésias esculpidas pela natureza.


O “serviço de bordo” – latinhas de cerveja e espetinhos - prosseguia quando, depois de cerca de uma hora de navegação, atracamos em uma espécie de cais flutuante para banho e passeio de canoa a remo por uma fenda onde os paredões do canion por pouco não se juntam. A banho no rio é delicioso, a água é cor de esmeralda, e tem temperatura refrescante. Foi muito prazeroso ficar flutuando nas bóias tipo macarrão que são fornecidas. A profundidade é cerca de 60m.

Durante todo o passeio, fiquei estranhando os paredões das margens, que não me pareciam tão altos quanto em 2004, quando fiz meu primeiro passeio pelo canion. Durante o passeio de canoa, entendi o porquê do meu estranhamento; o tronco de árvore em que me apoiei ao nadar até uma gruta, no passeio anterior, agora estava submerso sob uma lâmina d’água de pelo menos 10 metros. Ou seja, as escarpas eram as mesmas, o rio é que estava com o nível elevado.


Foram cerca de três horas de interessante passeio. Logo que atracamos no Carranca, combinamos de passar sem olhar para o “self-service” que pornograficamente oferecia uma tentação dos diabos aos famintos passageiros. Não, nossa combinação era almoçar no boteco da Ivânia e para lá fomos cheios de fome. Mais cervejas, mais surubins, mais camarões. Só não tinha pitus porque era período de defeso. Uma pena, aquele enormes camarões de água doce são uma delícia.



A tarde caminhava para o fim e Jota quis descansar. Eu e Marta fomos conhecer a igrejinha no alto da outra escadaria. Era quase a mesma quantidade de degraus da outra, só que mais altos e, por conseguinte, mais cansativos. Ficamos sozinhos naquele, alto apreciando a pintura que o sol poente fazia na água do rio. Marta quis tocar o sino da igrejinha, cujo badalo estava amarrado. Ela jogou seu chinelo e o chinelo ficou enganchado num umbral, fora do alcance. Tivemos que deslocar um pedestal para resgatar o chinelo e Marta aproveitou para tocar o sino. Falei que seria melhor acertarmos pequenas pedras no sino, que desta forma tocaria melhor. Acreditem, amigos, jogamos pedras na igreja! Sim, porque com nossa pontaria quase não acertávamos o sino. Ainda contemplamos um magnífico nascer da lua cheia, avermelhada, por trás dos montes.

Descemos, encontramos o Jota e fomos rondar pelos botequins da cidade. São poucos. Ficamos em um que não havia som e que tinha as mesas na rua, num largo. Conversa vai, cerveja vem, e logo apareceu um cabra com carro e o indefectível som alto. Músicas de péssimo gosto, como sempre. Felizmente o dono do boteco mandou baixar e ficamos um pouco mais. Fomos dormir cedo, que dia seguinte era estrada.

10 – Piranhas/Fortaleza (14/09/2011)

Contas acertadas na pousada, motocicletas carregadas, corrente lubrificada e lá vamos nós para a estrada novamente. Saímos às oito da manhã, em direção à Paulo Afonso, via Delmiro Gouveia, cuja estrada estava em bom estado. Rodamos 70km até que chegamos no cruzamento com a BR 423. Meu rumo seria seguindo em frente, mas resolvi acompanhar o Jota por mais 6km até a ponte metálica que cruza o São Francisco, na entrada de Paulo Afonso, de onde o amigo seguiria pela BR110 até o entroncamento com a BR101, passando nas bordas do Raso da Catarina, um deserto de caatinga onde há o maior vazio demográfico do Nordeste.

Neste pequeno trecho, havia uma interrupção na estrada com um controlador ordenando o tráfego com um rádio intercomunicador. Paramos ao lado do camarada, desligamos as motos e esperamos. Demorou até que eu dissesse ao simpático controlador que avisasse pelo rádio para liberarem a estrada porque Luiz Almeida estava lá. Coincidência ou não, quase que imediatamente veio a ordem para liberar nossa mão de estrada. Imaginem se soubessem Quem era o Homem que estava na outra motocicleta... (Para quem não freqüenta o M@D, Deus é um dos apelidos do Jota)

Marta:
"Sempre que temos de parar em um controlador de trânsito, ficamos aborrecidos. O sol quente faz ferver dentro das roupas de viagem. É uma verdadeira sauna. Mas, desta vez, foi diferente. Ante o momento da despedida, o tempo parou. Jota e Luiz tiraram os capacetes, fumaram cigarros, riram sobre acontecimentos da viagem, falaram sobre suas alegrias por estarem juntos durante estes dias, falaram sobre Euclides, com muito afeto, combinaram uma nova viagem, isto tudo sem sentir o sol escaldante sobre suas cabeças. Pareciam dois meninos, felizes ao sol. Eu assistia a festa, gostando."

Não sem emoção, nos despedimos com um forte abraço, e um cisco no olho, na cabeça da ponte. Jota ainda teria mais de mil e quinhentos quilômetros até Belo Horizonte e eu perto de mil até Fortaleza. Foi muito bom rever o amigo, passar juntos os dias de Aracaju e, melhor ainda, rodar de motocicleta juntos nas mesmas estradas. Valeu, Irmão!

Marta:
"A recomendação de não chorar do Luiz, nem chegou a ser dada. Num ia ser obedecida mesmo. Jota é um companheiro maravilhoso, “cacete e agulha!” Fácil gostar dele. Vai fazer muita falta não conviver com ele, homem inteligente, crítico, mas sem ser venenoso, divertido, espirituoso, cativante, enfim. Foi muito bom conviver com “ocê”, viu? Até breve, que seja bem breve. Você acrescenta à vida das pessoas... acrescentou à nossa."

Retornamos ao entroncamento sentindo falta do duplo farol da struminha do Jota no retrovisor. Coincidentemente, entramos na mesma BR 110 só que em sentido contrário ao do amigo, em direção á Petrolândia. O odômetro marcava 355,10km quando parei em Jatobá para abastecer a moto. Imaginei que, desta vez, o consumo seria na faixa dos 30km com um litro, afinal, desde Aracaju, no último abastecimento, estava rodando com um Sujeito que possui determinadas famas... Coloquei 17,14litro de gasolina no tanque perfazendo um consumo de 20,72km/litro, nada demais, nada de “milagres”, apenas uma boa marca, porém secular.

Este trecho de estrada margeia o lago de Sobradinho à esquerda. São quilômetros e quilômetros com muita água de um lado e terra seca no outro. Perto de Petrolândia há uma curva de 90 graus à esquerda sem nenhuma sinalização. Há muitas marcas de frenagem no asfalto. Lembrei-me de um amigo que pilotando uma Drag Star, em 2004, também quase passou direto naquela curva.

Passamos Petrolândia e rodamos mais 80km até Floresta, onde demos uma parada para descanso. Até então as estradas estavam boas e com muito pouco movimento. No bar do posto, onde fui comprar água, um sujeito e uma sujeita bebiam cerveja com um chevete de porta malas aberto e o som troando: “Mais raparigueiro do que eu, Só papai, só papai, só papai, Que pegou a minha mãe, (...) E lhe deu 50 reais”... É, encontrei um filho da puta assumido na estrada...

Consultei o mapa e perguntei ao frentista como estaria a estrada até Serra Talhada: Cem quilômetros de buraco, foi a resposta. Saímos da BR 110 e entramos na BR 316. Nenhuma sinalização, como sempre. Previsão confirmada, a buraqueira só era amenizada por pessoas que colocavam areia nos buracos em troca de moedas jogadas pelos motoristas. Foi o trecho mais solitário e calorento da viagem.

Em Serra Talhada, perto de meio dia, mais uma parada para descanso e água. A fome e a sede me fizeram tomar uma coca-cola e comer uma coxinha de aparência duvidosa, com muito colorau e cominho. Eita povo para gostar de cominho esses pernambucanos!

Rodamos 40km na, mesmo sendo pista simples, muito boa BR 232, até chegarmos na localidade de Bom Nome e entramos na PE 430, boa, porém estreita, até São José do Belmonte, simpática cidade que cruzamos lentamente. Chamou-nos atenção um prédio de três andares cheio de estátuas de personagens de Disney e outras estórias infantis.

Mais 40km e chegamos a Jati, no velho Ceará. Paramos para abastecer e resolver se iríamos à Juazeiro do Norte, conforme programado. O odômetro marcava 288,9km desde Jatobá e o consumo ficou nos 20,78km/litro. Era quase duas horas da tarde e resolvemos deixar Juazeiro para outra oportunidade e seguimos em frente, agora pela BR 116. Dependendo dormiríamos em Icó ou em Jaguaribe, há 410 ou 350 km de Fortaleza, respectivamente.

Passava pouco das três da tarde quando paramos em um bar de beira de estrada no Icó. Entre Jati e Icó foram 150km de estrada semi-destruída. Muito buraco, muito caminhão e muita poeira. Comemos uns biscoitos, leite e coca-cola. Era cedo. Marta, sentindo-se perto de casa, também se mostrou disposta a seguir em frente. Se for o caso, dormiremos em Jaguaribe. A informação era de que a estrada melhorava a partir dali.

A estrada realmente melhorou, porém ficou mais perigosa – além do tráfego pesado, o asfalto em geral estava bom, ma, vez por outra, apareciam grandes buracos, e estes, como pegam de surpresa, são muito mais perigosos do que a buraqueira generalizada. Dentro do capacete eu já estava pensando sobre a possibilidade de rodar á noite e chegar direto em Fortaleza. Rodei cauteloso, na faixa dos 90/110km/h.

O sol perdia a força quando paramos em Jaguaribe. O consumo de gasolina foi de 21,56km/litro, o melhor de toda viagem. É, buraqueira e cautela produzem este efeito colateral. Aproveitei para trocar o óculos escuro pelo incolor. Falei para Marta que a noite em Jaguaribe seria cheia de pernilongos e, incentivado por ela, resolvemos encarar a estrada e chegar a Fortaleza naquela pernada. Fiz o que não recomendo a ninguém, rodei direto na mudança do dia para a noite, no lusco-fusco, em estrada famosa pela quantidade de animais na pista. Em certos pontos, o cheiro das carcaças de animais em putrefação no acostamento era insuportável.

Marta:
"No último Censo Agropecuário, Luiz Almeida viajou pelo interior do Ceará quase todo. Lembro-me de tê-lo ouvido falar que em Jaguaribe e no Icó tem mais muriçoca que gente. Isto para mim é assustador. 100 pessoas e uma muriçoca, ela é minha. Tenho o sangue doce. E pra completar me lembrei da piada do papagaio que tava morrendo afogado numa cheia, sendo regatado, perguntou: onde estou? No Icó. Respondeu sem pensar: Pode deixar morrer afogado. O pescoço doía, o joelho também. Salompas neles. O leitinho ( de peitinho de vaca ) , e a vontade de dormir em casa, deram-me forças. Adelante, cavalheiro! Nosso prédio era um moinho de vento a alcançar."

Fizemos uma rápida parada em Russas, 160km de Fortaleza, para um café, cigarrinho e água. Foi bom porque depois daqueles 15 minutos minha visão se acostumou mais com a escuridão e os faróis da moto, apesar de um pouco altos por conta do peso embarcado, começaram a iluminar melhor a estrada.

Rodei com muita cautela até encontrar um Fiat Uno que rodava em faixa dos 90/100 por hora. Fiz dele meu “limpa trilho” e mantive-me cerca de 100m atrás dele. Desta forma, eu ficava atento às suas freadas e outras manobras, além de ter um carro na linha de frente na guerra dos faróis. Senti-me bem mais seguro rodando daquela maneira.

Mesmo que não se programe rodar à noite, é sempre bom estar preparado para tal, pois nunca se sabe quando será necessário. É muito importante ter refletivos na parte traseira da motocicleta, nas malas laterais, paralama e bauleto, além de no capacete e na jaqueta.. Apenas a iluminação traseira da moto pode não ser percebida em estradas de intenso tráfego pesado.

Quando passamos por Boqueirão do Cesário, entroncamento da BR 304 (que vem de Natal) com a BR 116, começamos a enfrentar filas de caminhões. Meu “limpa trilho” naquele momento era uma L 200 Triton, veículo que imaginei ser bem melhor que o Uno que cumprira a função anteriormente. Ledo engano, apesar de faróis muito melhores, mais potência, etc, o motorista da camionete não era bom de estrada, fazia manobras sem sinalizar, freava sem motivos, ficava indeciso nas ultrapassagens. Portanto, não me passou segurança.

No final de uma longa fila de caminhões subindo ladeira, com o cara do “limpa trilho” sem saber se ia ou não ia, buzinei e lampejei o farol avisando ao medroso da Triton que iria ultrapassar e acelerei. -Chuuuuuuupa! Gritei dentro do capacete enquanto passava mais de cinco caminhões de uma só vez. Não dava mais para ter “limpa trilho”. Nenhum veículo poderia fazer ultrapassagens tão rápidas e seguras quanto a moto naquelas condições.

Em um outro momento, um caminhão, descarregado ou mais potente que os demais, começou a ultrapassar uma grande fila de outros caminhões. Mantendo cautelosa distância fui junto. Aconteceu que, para avisar aos outros caminhoneiros que a frente estava livre, ele continuou por bom tempo na faixa da esquerda com a seta ligada para aquele lado. Marta falou que o camarada estaria ajudando a ultrapassagem de muitos. Menos a minha!, respondi - e fui forçado a fazer a ultrapassagem do gente boa pela direita.

No “Triângulo de Chorozinho”, a 70km de Fortaleza, por volta das oito da noite, fizemos a última parada antes de chegar. Ligamos para amigos avisando que logo mais estaríamos na cidade. Pablo estava oferecendo um jantar na casa dele e nos convidou para uma cerveja de chegadeira.

Mais 20km de estrada movimentada e perigosa foram percorridos com muita atenção e chegamos à pista duplicada na altura de Pacajus. Senti-me aliviado e com aquele gostinho de fim de viagem, de cheguei.

Entramos na cidade, por volta das nove horas, tentando baixar a excitação da estrada e logo estávamos na casa do Pablo, onde fui recebido por ele me oferecendo-me uma deliciosa Heineken geladíssima! Vocês não imaginam como aquela cerveja desceu bem! Pouco depois jantamos uma maravilhosa macarronada à Carbonara, feita pela Graça, esposa do anfitrião.

Estávamos cansados, sim. Eu, meio que “envernizado”, sentia-me muito bem. Rodaria mais se necessário fosse. Ao final de uma jornada dessa, foram 958km, sempre me vem à mente uma frase do m@diano Gilberto, de Porto Alegre, a qual parodio: A carcaça geme e o espírito sorri!

Marta:
"Sim, uma das bases mais firme do meu relacionamento com Luiz é a confiança que tenho nele. Confiança que me faz estar na garupa de sua moto, sem medo ou receio algum. Esta foi mais uma viagem, das muitas que temos feito, sem um risco de pilotagem, sem um susto, sem um aborrecimento. Mais alegrias, mais aventuras, mais lugares, mais conhecimento agregado à minha vida. Conviver contigo é uma experiência enriquecedora, Luiz. É muito bom me sentir em tuas mãos. Obrigada, meu amor, por tudo, tua."

Luiz Almeida

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