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Viagem à Região Sudeste - Praias e Serras

Viagem À Região Sudeste – Serra, Litoral, e Sertão



Saímos de Fortaleza em um sábado, dia 06/09/2014 às seis horas da manhã. Para mim, se saíssemos pelas sete horas já estaríamos no lucro. Porém, Marta acordou cedo, coisa rara, e me ligou ainda meio que dormindo por conta da noitada de bota fora no Cadê Meu Troco, boteco que freqüento com amigos que andam de motocicleta.

Acho que esse acordar cedo dela foi para amenizar o fato de que, diante do volume da bagagem dela, seria necessário expandir as malas laterais, coisa que afirmara que não faria. Mas não iria arrumar encrenca logo no começo da viagem. Expandi as malas prometendo dar um cascudo no malinha Víctor (sobrinho dela), que mostrou a ela que as malas eram expansíveis.

A motocicleta é uma BMW R1200 GS, ano 2008, cor amarelo atacama, equipada com malas laterais e top case originais, mala de tanque e faróis auxiliares Touratech, além de outros mimos.

Acostumando-me com o peso - 180 kg de bagagem humana mais uns 50 kg de carga - fui pilotando devagar até a saída da cidade e início da BR116, estrada onde rodaria a maior parte da viagem. O chato da parte cearense da BR é que a paisagem, além de já muito conhecida, nesta época do ano está calcinada pelo sol do sertão do Ceará, somando-se ao pouco movimento e poucas curvas. Uma monotonia só.

Só as fortes e constantes lufadas de vento requeriam atenção para se pilotar na velocidade de cruzeiro em torno dos 120km/h.

Combinei com Marta que pararia a cada duas horas de estrada, com alguma flexibilidade, evidentemente.

Paramos em Russas, depois de 165 km para abastecer a moto, café, etc. Notei que a moto estava beberrona, abaixo dos 15 km por litro e isso me chamou a atenção para a autonomia.

Como estava na rota cruzar o "polígono da maconha", região com alto índice de assaltos, tentei manter uma boa velocidade - sempre um pouco acima dos 120 km/h - e guardei na mente a possibilidade de pernoitar em Salgueiro (PE), cerca de 600 km de Fortaleza. Ou em Euclides da Cunha (BA), a 860 km, tudo dependeria da hora em que chegasse à primeira cidade.

Parei para abastecer mais duas vezes. Cruzamos a divisa entre Ceará e Pernambuco e, quando passei por Salgueiro era em torno de uma da tarde. Daria, portanto, para seguir em frente e rodar mais 260 km em três horas com certa segurança, já que o perigo maior é rodar a noite naquela região.

Cruzei o Estado de Pernambuco, que parece uma tripa de bode, sem colocar os pés no chão. Naquele ponto não tem mais que 100 km de largura. Atravessamos a ponte sobre o Rio São Francisco e chegamos a Ibó, Bahia. Sorria, você está na Bahia!

Abasteci em Ibó. Moto ainda bebendo abaixo dos 15 por litro. Calor grande apesar do vento forte. Água, café, pipi e vamos para estrada.

Poucos quilômetros após a parada notei que um carro tipo Doblô aproximou-se da minha retaguarda e não ultrapassou. Ora, se eu me mantinha nos 120 por hora por que ele não passou?

A região, como disse, é perigosa. Torci o punho e subi para 130. O Doblô ali atrás. A 140/150 se afastou, mas se manteve a vista. Mantive a aceleração. Naquele momento um enxame de abelhas se chocou ruidosamente na bolha da moto e na viseira do meu capacete.

Como não poderia deixar de ser, uma abelha conseguiu entrar na jaqueta da Marta e picou-lhe o braço. Marta pediu que eu parasse. Falei que esmagasse a abelha e que aquele não era momento nem lugar de parar. Velocímetro foi de 160 até chegar aos 180 por hora e o tal do Doblô finalmente sumiu de vista.

Poderia não ter sido nada. Mas naquela região não se deve dar moleza. As caras te seguem até o lugar onde eles acham mais conveniente e atacam. Só falei isso para Marta quando chegamos ao hotel.

Chegamos a Euclides da Cunha antes das quatro da tarde. O range da reserva da moto avisava que eu só teria 10 km para rodar. O odômetro parcial marcava 203 km percorridos desde o último abastecimento.

Passei sem ver o posto BR com bom hotel que previ pernoitar e fui parar um pouco mais à frente, em outro posto cujo frentista nada informava direito - Bahia! - e o range insistindo em informar que a moto só tinha combustível para rodar mais 1,5 km. O tanque de 20 litros aceitou os 18,5 litros que o frentista colocou. 10,9km/litro!

Apesar de o frentista insistir em dizer que não havia posto BR com hotel na cidade, fiz o retorno e encontrei o que procurava: um posto bem limpo e organizado, uma grande loja de conveniência com caixa de banco e o hotel.

Anoitecia quando saímos para jantar/almoçar em restaurante na beira da estrada indicado pelo recepcionista do hotel. Fomos de moto, eu de bermuda... Faz um friozinho em Euclides de Cunha!

Cerveja para tirar o pó da garganta e, apesar de o lugar e da comida serem simples, comemos um delicioso bode na brasa. O negativo, como para todo e qualquer lugar na Bahia, é o tipo de música que não param de ouvir em alto volume.

Difícil sair cedo quando temos que esperar a garupa se arrumar e tomar café da manhã... Por volta das sete e meia estávamos na estrada numa manhã que parecia ser chuvosa.

Havia intenso tráfego de caminhões em sentido contrário. Em um momento, um caminhão se meteu a ultrapassar outro e foda-se o motoquista que vinha em sentido contrário. Fui forçado a trafegar no acostamento para continuar vivo. Perdi a conta das gerações familiares do cabra que xinguei dentro do capacete. O acostamento estava muito ruim, cheio de pedras soltas, diga-se. Mas para isso servem as Big Trail!

Mais à frente, outro caminhão, desta vez de forma "educada", piscando várias vezes o farol, solicitou que eu entrasse mais uma vez no acostamento, ele vinha de uma ultrapassagem sobre vários outros caminhões e não havia como retornar à própria pista. Desta vez o acostamento estava em bom estado.

Viajávamos pela primeira vez usando intercomunicador, que também é aparelho de tocar música e atender telefone. Fui meio renitente à ideia, mas Marta estava gostando. As 650 músicas (a maioria velhos blues e corais de óperas) que selecionei em meu celular tocavam num volume muito baixo e nós não sabíamos qual motivo. Dava para ouvir apenas alguns acordes.

Mantive os interruptores dos faróis auxiliares da moto na posição “on”, de modo que eles acendiam junto com o farol baixo, ao ligar o motor. Isso me dava um "triângulo de segurança" que tornava a moto bem mais, digamos, respeitada, tanto ao cruzar como para ultrapassar veículos.

Começaram as lombadas, físicas e eletrônicas, tanto juntas como separadas.

Sob chuva fina, chegamos a Feira de Santana por volta das dez horas, procurei identificar um posto de gasolina do qual havia tipo boa informação em viagem ao Pico da Bandeira em 2012. Não sei o que houve, não encontrei o posto. Busquei informação de como prosseguir na BR 116 e o povo não sabia informar. Entrei, portanto, no infernal centro de Feira de Santana, trânsito confuso de carros, ônibus, gente, chuva e com diversas ruas interditadas por conta dos desfiles de Sete de Setembro.

Foi o pior momento da viagem!

A primeira informação que tive na cidade me levou ao encontro de uma via interditada... Parei em um posto para abastecer a moto e buscar informação. O único frentista atendia mal e demorou muito a perceber que estávamos ali. O cara não sabia de nada, para variar. Marta foi à lojinha do posto e conseguiu alguma orientação. Quando pedi para abastecer a moto, o sujeito disse que aquela bomba não funcionava. - E por que não avisou antes? - Pensei que você só queria informação, ele respondeu. Puto da vida sai do posto e tentei seguir a indicação da Marta fazendo contorcionismos nas estreitas ruas secundárias do lugar.

Sentindo-me meio encaminhado, mas ainda na cidade, chovendo mais forte e grande movimentação de gente por tudo que é canto, parei em um outro posto para abastecer e fui tomar um cafezinho. O cara do outro lado do balcão ouvia música em alto volume e junto com o barulho geral da cidade não consegui ouvir o que ele me perguntou. Pedi o café novamente e ele me retornou a pergunta. Fale mais alto que não estou entendendo, disse. Bem, a demora toda era porque o cara queria saber se eu queria o café com leite ou sem leite... - E por acaso você ouviu eu pedir algo mais do que café? Respondi no pior dos meus humores.

Finalmente na estrada! BR 116, Rio-Bahia, pedagiada e com alguns trechos em obras de duplicação. Chuva fina, pista molhada e um frio suportável com as aberturas de ventilação da jaqueta fechadas. A paisagem ficou mais agradável e a estrada mais sinuosa. Em um momento, ao mudar de faixa, minha moto deu uma escorregada sinistra ao passar sobre uma pintura plástica preta, que encobria a sinalização horizontal anterior. Fiquei alerta e reclamei da armadilha no primeiro pedágio.

Com o final dos tapas que o vento nos deu no dia anterior, creio que o consumo da moto ficou na faixa dos 14 ou 15 km/litro. Autonomia apenas razoável.

Asfalto molhado. Pelo retrovisor percebi umas dez motos pequenas com os caras sem capacete e pilotando deitados sobre o banco tentando me alcançar. O trecho era de pista dupla. Imaginei que poderia ser apenas brincadeira da molecada e os deixei se aproximar, ficando atento, porém. Sinalizei para os mais atrevidos me ultrapassarem, mas eles se mantiveram atrás. Antes que o troço desse encrenca, torci o punho e deixei a patota em um pequenino ponto nos meus retrovisores.

Depois de 610 km rodados, chegamos a Vitória da Conquista no meio da tarde. A cidade cresceu muito nas laterais da estrada e ficou extremamente aborrecido passar por ali. Semáforos e altas lombadas unidas para parar o tráfego! Se há o sinal de trânsito, para que a faixa de pedestre ser pintada sobre uma lombada com dois palmos de altura? O resultado são filas de caminhões quase parados e muita fumaça de óleo diesel no ar.

No entanto, foi em Vitória da Conquista que obtive uma informação clara e precisa sobre como encontrar um endereço, o do hotel Íbis. Foi de um cidadão parado ao meu lado durante tempo do sinal vermelho. Vai ver não era da cidade...

Hotel bom, porém atendimento impessoal típico de balcão de empresa aérea em aeroporto. Fizemos nossa refeição no restaurante do próprio hotel.

Cedinho desci, deixando Marta dormindo e fui procurar uma farmácia em busca de talco anti-séptico para os pés. Complicado conseguir um cafezinho num hotel desses... O cidadão na guarita de entrada do hotel informou que havia uma farmácia perto, distante duas quadras na avenida da lateral do hotel. Beleza. Fazia um frio danado, cerca de 15 graus, e eu de camiseta e bermuda andando na rua sob uma garoa leve por um quarteirão, dois, três, quatro, cinco quadras e nada de farmácia. Desisti. Na volta ao hotel parei numa padaria para um café e as simpáticas atendentes disseram não haver farmácia nenhuma nas proximidades.

Baiano é assim mesmo, informa o que ele imagina que seja, o que ele gostaria que fosse, mas raramente o que realmente é. Reclamei do sujeito, evidentemente.

Segundona, terceiro dia de viagem. Prosseguimos na Rio-Bahia rumo a Teófilo Otoni, Governador Valadares ou mais à frente. O tamanho da pernada dependeria da nossa disposição e condições da estrada, não por conta de buracos na pista, mas pelas incontáveis lombadas e pelas interrupções de tráfego causadas por obras executadas na pista.

Poderíamos até chegar à Pedra Azul do Araçê, nosso primeiro destino, mas seria esticar demais a corda e arriscar rodar a noite.

Estava muito frio no começo da manhã. Usei a forração interna da jaqueta e também, ao começar a me tremer, lembrei que existia e acionei o aquecedor de manoplas da moto.

Entramos em Minas Gerais e a estrada se mostrava melhor do que a parte pedagiada, que termina na divisa de Estados, pelo menos no que diz respeito a terceira faixa nas subidas.

Em Teófilo Otoni eu conhecia uma boa pousada, mas era cedo quando por lá passamos. Fizemos um "pit stop" para café e água e seguimos em frente.

Parei para abastecer em Governador Valadares e um motociclista amigo de meus amigos naquela cidade puxou conversa e tentou contato com o Brandão e com o Carlos Salgado, todos gente muito boa e que já estiveram em Fortaleza, mas como não conseguimos falar com eles e ainda era cedo, fomos em frente por mais 120 km no rumo de Caratinga, totalizando 650 km no dia. Em Caratinga havia outro amigo, o Fábio Cancela, para nos dar apoio na cidade.

Fábio nos encontrou na cidade e nos levou para a "melhor pousada da cidade" - a casa dele. Ficamos muito bem instalados em sua confortável e ampla casa. À noite saímos de carro com o casal para colocar a conversa em dia, tomar umas cervas e jantar em um ótimo restaurante, fazendo da segundona uma quase "segunda sem lei". Fábio e sua mulher, Maria Helena, já nos visitaram na praia de Peroba, nosso refúgio no Ceará.

Caratinga é uma cidade bacana!

Ao sairmos de Caratinga na manhã seguinte, sequer rodamos 10 minutos na estrada e fomos parados por mais uma interrupção de tráfego. Como o acostamento era muito estreito, tivemos que ficar uns 20 minutos no meio da imensa fila de carros, ônibus e caminhões. O legal, quando se consegue ficar na frente da fila, é que quando se abre a porteira a gente passa um bom tempo sem ter que fazer ultrapassagens.


Chegamos ao cruzamento da BR 116 com a BR 262, contornamos a rotatória e entramos à esquerda na 262, no rumo de Vitória. Parei em seguida para abastecer e, como Marta demorou arrumando alguma coisa que se soltava no intercomunicador dela, aproveitei para dar uma melecada com óleo de motor na placa da moto. Com o óleo spray colocado antes da viagem a placa continuava muito visível...

É preciso se defender, amigos. Não vou para o acostamento ao passar por foto sensor, quando os vejo reduzo a velocidade, mas, para quanto? Muitas vezes não há indicação de velocidade antes da barreira eletrônica. Já recebi notificação de multa por passar a 54 km/h em pardal que era de 40 km/h, mas sem indicação visível disso.

Melhor uma multa por placa suja do que uma coleção de multas por velocidades de 30, 40, 50 ou 60 por hora. São armadilhas e armadilhas ao longo de toda viagem!

Como é que pode uma rodovia federal passar por dentro de uma cidade como Manhuaçu? Vi coisa pior mais à frente, em outro Estado.

A distância a ser coberta no dia era curta, cerca de 230 km, e fomos devagar, curtindo a beleza e os cheiros da estrada, curtindo as curvas, as subidas, descidas e as paisagens que se descortinavam à frente e aos lados.

Depois de Venda Nova do Imigrante começou uma chuva fina e muito fria. Mesmo estando perto do destino, Marta pediu para se agasalhar. Parei para fotografar e depois seguimos com a cautela que exige uma estrada sinuosa e molhada.

Em Pedra Azul do Aracê, já sem chuva, paramos direto no restaurante Peterle para o almoço.

Anexo ao restaurante fica a pousada do mesmo nome. Visitamos as lojinhas e aproveitei para ver os preços dos chalés, R$630,00 para ficarmos três dias. Marta se incomodou com o ruído da construção de novos chalés e da proximidade com a estrada.

Sem pressa fomos passear com a moto nos seis quilômetros da Rota do Lagarto. Tudo muito bonito e agradável. Havia outras pousadas, mas na Rota mesmo só havia a pousada Pedra Azul, que estava fechada. Voltando ao ponto de partida, Marta foi pesquisar em um quiosque de turismo outras pousadas e ficou meio contrariada quando decidi ficar na Peterle mesmo. Dia seguinte ela entenderia que as demais pousadas indicadas ou estava fechadas ou eram bem distantes e isoladas.

Chalé de madeira com dois ambientes, varanda com uma bela paisagem, além de lareira e moto estacionada ao lado da porta. Tudo muito bom. Desfizemos a bagagem e fomos novamente passear pela região. Fotografamos, paramos numa fazendinha antiga, visitamos haras e lojinhas. A vantagem (desvantagem para Marta...) é que de moto não dá para fazer compras.

Foram dois dias e duas noites muito agradáveis. Passeios a pé, o cantar dos pássaros, o amanhecer sob névoa, o colorido entardecer pincelando a Serra do Caparaó coroada pelo Pico da Bandeira em vários tons, do azul ao vermelho, noites ao pé da lareira tomando vinho ao crepitar da lenha... Quem não conhece o lugar recomendo ir. O ponto negativo é que muita coisa, restaurantes, caminhada com guia e cavalgada, inclusive algumas pousadas, parecem só funcionar nos finais de semana. Por mim, prefiro pouco movimento mesmo.

Resolvemos descer para Vitória na quinta feira, desistindo de passar uma terceira noite na Rota do Lagarto. Na capital capixaba um motociclista amigo de muitos anos, Rodrigo, que ainda não conhecia pessoalmente, nos aguardava para uma noitada cujo prato principal – porém não mais importante do que a conversa e as cervejas – seria a famosa moqueca capixaba.

A descida para o litoral através da BR 262 é feita contornando majestosas montanhas, com belas paisagens e muitas atrações ao longo da serra. Porém o movimento de caminhões é intenso e é preciso muita atenção durante o percurso.

A entrada em Vitória foi tranquila, apesar do trânsito de cidade grande, é uma cidade agradável, bem sinalizada e tem uma bela orla marítima. Logo chegamos à orla da praia e, em um posto colhi informações sobre a Praia do Canto, onde meu amigo Rodrigo recomendou ficar. Mais um hotel Íbis, sendo que este era mais caro do que o de Vitória da Conquista.

Era cedo, antes do meio dia. Marta quis ficar repousando no hotel e eu fui caminhar no calçadão da praia, buscando um boteco para uma cerveja. Depois Marta apareceu e comemos um petisco, deixando a fome para o jantar com o casal amigo.

Interessante o sinal da faixa de pedestre cujo bonequinho na coloração verde começa a mexer as perninhas apressadamente para indicar que vai fechar.

À noite, Rodrigo e Márcia nos apanharam no hotel. Passeamos por diversos pontos de interesse na cidade e depois paramos num calçadão muito animado, cheio de bares e restaurantes, lugar muito bacana e bem movimentado. Foi uma ótima noitada de boas conversas, cervejas, fartas casquinhas de caranguejo e deliciosa moqueca capixaba. Aviso aos navegantes; a conta é salgada! Só não ficamos até o dia amanhecer porque o amigo trabalhava no dia seguinte e havia estrada pela nossa frente.

Sair de Vitória foi tranquilo, nos despedimos da cidade passando pela belíssima terceira ponte em baixa velocidade, apreciando cada detalhe da paisagem oferecida ao olhar. Temi até estar atrapalhando o trânsito de quem passa por lá rotineiramente e não mais percebe a beleza em volta.

O intercomunicador continuava soprando baixinho alguns acordes das músicas que gravei. Não fazia questão de ouvir música, era a primeira viagem com um aparelho desses, sempre apreciei o ronronado do motor e o silvar do vento. Eu me aborrecia quando queria mostrar alguma coisa à Marta, tinha que sinalizar para que ela mexesse na geringonça eletrônica para poder me ouvir. E quando conseguia falar, o que eu queria mostrar ou comentar já havia passado.

Em Vila Velha um caminhão mal manobrado travava o trânsito na via de acesso à estrada. Ia para frente e para trás e nada de liberar a rua. Perdi a paciência, subi um pedacinho de calçada sem pedestres e fui embora. O problema era que bem atrás de mim estava uma caminhonete amarela do órgão de trânsito local... que apareceu com suas luzes me seguindo mais à frente, já na estrada. Acelerei e sumi dos cabras. Será que vou receber uma cartinha de lembranças deles em casa?

Estrada pedagiada, plana entre o mar e a vegetação praiana, pouco movimento, dia de sol e brisa fresca. Um passeio.

Em um ponto de cobrança de pedágio troquei rápida conversa com um camarada montado numa Triumph Tiger 800, que viajava na mesma direção. Era do Rio e ia para Búzios, nosso mesmo destino naquele dia. Mas a velocidade dele era bem maior do que a minha...

Pilotava tranquilamente em estrada de pista dupla quando uma camionete da administração da estrada equipada com uma enorme seta que piscava apontando para direita sobre a carroceria e mais um carro pequeno com o motorista gesticulando freneticamente me fizeram reduzir a velocidade substancialmente. Não havia absolutamente nada que justificasse tal intervenção, mesmo assim fui me posicionando para tentar entender o que havia. Naquele momento um grande caminhão, ignorando os sinais, passou por mim veloz e perigosamente próximo. Cacete! O que aqueles caras estavam fazendo? Colocaram-nos em risco sem nada que justificasse!

Na região próxima a Guarapari a estrada estadual ES-060, sob concessão, termina. Entramos na BR 101 com piso razoável, mas mal sinalizada e com precária manutenção geral, além da fama de tráfego hostil. Na cidade de Iconha, a estrada desaparece e a passagem é feita pelas ruas de paralelepípedos da cidade, no meio do comércio, feiras livres, lombadas e sinais de trânsito. Caminhões pesados, automóveis, bicicletas, muitas pequenas motocicletas, pedestres, carroças com tração animal de duas e quatro patas tudo junto e misturado. Eita brasilzão!

Logo depois de um posto da Polícia Rodoviária Federal (sempre parecendo abandonados) há uma rotatória com o acesso a Cachoeiro do Itapemirim. O amigo M@Diano Davizzz havia me convidado a passar por lá, mas caso eu visitasse os amigos pelo caminho a viagem teria que durar mais de dois meses, no mínimo. E isso, ter tantos amigos em tantos lugares é um privilégio, uma honra que muito me deixa feliz. Voltando à rotatória; nela não havia sinalização nenhuma, fui numa direção e, na incerteza, parei para perguntar. Estava errado, aquele era o acesso a Cachoeiro. Todos erram ali, disse-me o cidadão que me orientou.

Passamos a divisa entre Espírito Santo e Rio de Janeiro e a BR 101 se afastou do litoral. Passamos a rodar tendo a Serra dos Órgãos como pano de fundo, à nossa direita.

Campos dos Goytacazes é outra cidade em que a estrada desaparece e temos que cruzar boa parte da zona urbana. A diferença de Iconha é que a cidade é grande e não há sinalização nenhuma sobre que rumo seguir para reencontrar a estrada. Por sorte, segui o fluxo do tráfego e conseguimos sair sem traumas da cidade.

Rodamos mais cerca de 130 km, saímos da BR 101 e entramos no acesso a Búzios via Rio das Ostras. A estrada que beira o mar, entre Rio das Ostras até a entrada para Búzios, é praticamente toda urbanizada. Passa-se por alguns lugares bem bacanas. Búzios é como uma península, tudo muito confuso e mal sinalizado, tem mar e praias em todas as direções. Para quem está acostumado com um mar em única faixa, quase retilínea, fica ainda mais enrolado.

Pensei que havia chegado quando parei na praia de Geribá. Mas as casas tiram a visão do mar? Foi a primeira coisa que pensei, lembrando-me de algumas praias pernambucanas cujos condomínios fecharam a faixa de areia.

Uma cerveja de chegadeira, uma informação e uma indicação de pousada. Cheguei a tirar a bagagem da moto, mas não era o que queríamos e fomos embora. Indicaram-nos um casarão que havia apartamentos para alugar no andar térreo. Havia uma festa da moçada. Tava esquisito.

Perguntando em cada esquina e quase me aborrecendo, encontrei uma pousada de boa aparência e lá ficamos. Pousada Maria Maria. Chega de andar para um lado e outro com a moto pesada sobre estreitas ruas de pedra, ladeiras e becos sem saída.

Bem instalados, analisei o complicado mapa do lugar que havia na parede da pousada. Não estávamos distantes do miolo da cidade, da badalação do calçadão conhecido como Orla Bardot.

Com a moto mais leve, sem as bagagens, fomos passear, ainda por ruas estreitas e de pedra. Estacionamos a moto na Orla Bardot. Caminhar a pé foi bem melhor. Ostras frescas em boteco de pescadores, umas cervejinhas, fotos do belo entardecer sombreando os inúmeros barcos ancorados na enseada, contratação de passeio de escuna e, mais tarde uma boa e cara pizza.

Voltando para a pousada, já perto, mas sem ainda ter certeza, recebi orientação totalmente errada de umas estudantes. Mandaram-me para outro lado. Ainda bem que percebi logo a burrada delas. Se não sabe não ensina errado, pô!

Depois do café da manhã, deixando a moto quieta na pousada, fomos a pé para a orla. Amanheceu ventando e a Capitania dos Portos não estava permitindo o passeio de escuna no mar. Ficamos naquela espera, sem saber se ia ou não ia ter o passeio até que, pelas 11 horas liberaram as escunas para passeios apenas no entorno das praias, sem permitir visitas às ilhas, que ficam mais distantes. O vento não me parecia tão forte assim.

Foi um agradável passeio, Marta aproveitou as paradas para se banhar na água fria e transparente daquele mar. Navegamos em torno de diversas praias por mais de uma hora. Em nenhum momento a embarcação pareceu sofrer com o vento.

Havia serviço de bordo, mas eu preferi ficar apenas na cerveja enquanto buscava bons ângulos para fotografar. João Fernandes e João Fernandinho, Azeda e Azedinha, Ferradura e outras. São as faixas de areia ao sopé das colinas e alguns nomes são determinados pelo tamanho da praia. Lugar bonito, sem dúvida. Mas cearense é bicho exigente com praia!

Findo o passeio fomos para mais uma caminhada pela orla. Nessas caminhadas simpatizamos com um bar que oferecia comidinhas de boteco por preço fixo e serviço livre – Terraço do Morro. Não custa experimentar preços razoáveis onde tudo é muito caro.

Abancados, fomos recebidos pelo Lóis, misto de bar-men, gerente, fotógrafo e relações públicas do lugar. Lóis, cujo nome de batismo é Aloísio, é um paulistano que migrou para Búzios em busca de uma vida mais divertida. Sentou conosco à mesa e conversa vai conversa vem, repassei-lhe uma receita de bebida. Levantou-se para receber outros clientes e, não demorou muito, retornou à nossa mesa oferecendo à Marta o novo drink, já batizado de Pantera Cor de Rosa.

Era noite quando, cansados e satisfeitos, depois de bebidas e comidas, retornamos à pousada.

Enquanto arrumava a bagagem na moto, alguns hóspedes da pousada puxaram conversa sobre motocicletas e viagens. Papo bom, e, assim, terminamos por sair por volta das nove da manhã. Sem problema, a jornada do dia não seria longa, apenas 155 km até Niterói, e mais 260 km até Paraty.

Inicialmente pensei em seguir viagem pela estrada que passa entre a Lagoa de Araruama e o mar, que no mapa dá impressão de ser quase uma ponte, passando por Saquarema e região. No entanto, por não ter conseguido informações consistentes sobre a rota, decidi ir pela rodovia RJ 106, de pista dupla e pedagiada a partir da entrada de Cabo Frio e contornando São Pedro da Aldeia.

Domingo tranquilo e estrada com pouco movimento. Entretanto, mais uma vez o pessoal da concessionária da estrada fez besteira; uma enorme seta sobre uma pick-up, semelhante à outra que citei, piscando para a direita e os gestos frenéticos saindo de dentro do carro. Nada, absolutamente nada acontecia para tal sinalização. Um carro freou bruscamente à minha frente, e eu, desviando para sair da linha de impacto com os carros que vinham atrás, alicatei com gosto os freios da BMW. O pneu traseiro fez um canto curto e a moto, equilibradíssima, sem afundar a frente, parou sem susto. Poderosa!

Cruzamos a Ponte Rio Niterói devagar, curtindo a paisagem e a motocicleta. Chegamos ao Rio na hora em que eu previ: 10:30h, porque meu desejo era atravessar a Avenida Brasil entre 10:30 e 11:30h. Horário que imaginei mais seguro para quem não está familiarizado com a cidade e para quem não esqueceu o drama que um saudoso amigo, o Erivan, passou ao entrar sozinho no Rio, onde perdeu sua moto, uma Varadero nova, e tudo mais que tinha, ficando apenas com a calça de viagem.

No começo, a Av Brasil me era familiar, bases da Marinha, Fiocruz, IBGE da Parada de Lucas, etc. Porém, na minha lembrança do começo dos anos 80, o entroncamento com a Rio Santos seria mais perto, em uma rotatória onde eu me lembrava haver uma estátua de São Cristóvão. "Saída 19 – Angra" – vi escrito numa placa. Será? Muito estranha essa placa indicando saída para Angra ainda dentro da cidade... será que seria Angra dos Reis mesmo? Segui em frente mantendo-me na Av Brasil! A cidade ia ficando para trás e nada de encontrar o entroncamento.

(Essa passagem me lembrou um causo em que, querendo ir a Jacarepaguá, em 1979, segui um ônibus cujo letreiro indicava Jacaré, que eu imaginei que fosse uma abreviatura...)

Perguntei a um cobrador de van, que ia pendurado na porta do veículo. Ele sinalizou que iria parar mais a frente e informaria melhor. Marta ficou meio assustada com o jeitão funk do camarada, mas na parada da van, ele veio até a moto e disse que o caminho era aquele mesmo.

E como demorava chegar a Rio Santos! Fora da zona urbana, entrei em um posto de gasolina e um frentista me confirmou que era mais a frente e que havia sinalização.

Finalmente, e aliviados da tensão de entrar em caminho errado, chegamos ao entroncamento, entramos à direita, subimos um viaduto e finalmente estávamos na estrada que queríamos. O São Cristóvão? Se ainda existe não vi.

Quando a estrada começou a tomar jeito, apertando-se entre o mar e a serra, ainda em pista dupla, encontramos o primeiro congestionamento. Um túnel estreito era a razão de tantos carros parados. Naquele túnel, terminava também a pista dupla.

Conheci a Rio Santos no final dos anos 70 e rodei por ela até 1983, tempos em que a urbanização e o inchaço das pequenas vilas praianas ainda não haviam chegado, tempos em que de São Sebastião a Bertioga a estrada era de barro com pontes de madeira. Agora tudo estava diferente, muitos prédios de três, quatro ou mais andares em cada praia. Casario humilde nas encostas e, lombadas, muitas lombadas ao longo da estrada, tanto físicas como eletrônicas, com a agravante que nem sempre a velocidade estava claramente indicada. Felizmente (espero) a placa da moto estava bem suja...

Em Mangaratiba parei para gasolina, café e água. Um camarada discretamente me informou que naquele posto o combustível era adulterado, tomei café e bebi água.

Os 260 km até Paraty foram de muita diversão pelas deliciosas curvas e subidas. Mar azul de um lado e mata verdejante de outro. Muitas ilhas e, vez por outra, ao fim de uma reta ou ao fim de uma subida, abria-se à frente uma bela imagem de enseadas enfeitadas por dezenas de veleiros ancorados. Infelizmente a mata está muito alta nas margens da estrada, do lado que se vê o mar, escondendo frequentemente a beleza do lugar. Ah, a grossa fiação que se estende entre postes na beira da estrada no lado do mar também atrapalha os registros fotográficos.

A estrada continua linda, mas já perdeu muito do encanto que estava guardado na minha memória depois de 30 anos. O tempo não pára!

Chegamos a Paraty por volta das quatro da tarde. Pousada Aconchego, era a indicação que recebemos de uma amiga. Pousada bacana, localizada na área histórica da cidade, com ótimas instalações, diária de R$240,00 e moto guardada, protegida do sol, em estacionamento fechado.

Aproveitamos que ainda era dia e fomos caminhar pelas ruas e vielas de Paraty, calçadas desde os tempos coloniais por pedras de tamanhos diversos. Tudo continua muito bem conservado, hoje com muito mais bares e lojas, mesmo assim, a sensação é de volta ao passado.

Contrastando com isso, o intenso movimento de pequenos aviões e helicópteros particulares que pousavam e decolavam em alguma pista de pouso nas proximidades. Era final de domingo e os endinheirados tinham pressa...

Caiu a noite e paramos num boteco onde o preço das cervejas não era extorsivo. Mesinha na rua, atendimento simpático – lugar legal para ver o movimento local. Vizinho ao boteco havia uma agência de passeios de escuna e lá mesmo acertamos um passeio marítimo para o dia seguinte.

Caminhamos mais um pouco e fomos para o restaurante anexo à pousada para um chopp especial e um lauto jantar, filés perfeitos com arroz puxado ao molho de ervas e fantásticas batatas recheadas. A caminho do nosso apartamento na pousada, ao passarmos pela janela da cozinha elogiamos o chef.

Manhã bonita de céu claro e poucas nuvens, nem parecia ser uma segunda feira. Caminhamos e fotografamos mais do casario e das ruas da cidade – desta vez com a luz em outro ângulo. Depois nos encaminhamos ao píer, onde estavam atracadas centenas de embarcações, muitas delas com cores berrantes. Havia duas escunas da agência que contratamos. Escolhemos uma e nos acomodamos no piso superior, perto da proa.

Belíssimo passeio! A visão da cidade a partir do mar, as diversas ilhas - algumas com belas casas. As lindas praias com água transparente e areia dourada. Foi um passeio bem melhor do que o de Búzios. Marta entrou na água em todas as oportunidades. Eu em apenas uma – preferia fotografar, mas foi um banho de mar muito agradável.

Mais de três horas depois, quando começamos a retornar, perguntei ao piloto da escuna sobre a casa do Amyr Klink. Ele me mostrou a praia onde ficava a casa, e ainda me fez a cortesia de desviar a embarcação um pouco da rota, aproximando-se da praia de Jurumirim, anunciando no microfone a casa na qual o mais famoso navegador contemporâneo brasileiro faz porto de chegada de todas suas viagens oceânicas, a Vagabunda.

Em terra, continuamos passeando pela cidade, visitando lojas e fotografando. Anoiteceu e fomos para as mesmas mesas na rua do boteco da noite anterior para as regulamentares cervejas de hidratação.

No restaurante da pousada, jantei uma espetacular massa com frutos do mar enquanto Marta, um pouco indisposta, provavelmente desidratada, devido ao longo tempo sob o sol, tentou tomar apenas uma sopa.

Gostei de rever Paraty.

Antes de seguir viagem, depois de um cafezinho, fui pitar um cigarro na praça que fica diante do restaurante da pousada. Sentei-me num banco e observei um idoso com uma grande sacola no banco do outro lado da praça. Usei a lente com tele e o fotografei. Mais um tempo e o velhinho veio se sentar ao meu lado. Inconformado, contou que fora roubado enquanto dava um cochilo na praça. Levaram-lhe todo o dinheiro e parte dos mantimentos da sacola. Dei-lhe um cigarro e algum dinheiro para que o dia não começasse tão ruim para ele.

Esta terça feira seria dia de rever a parte que eu mais conhecia da Rio - Santos.

Saímos por volta das nove horas, seriam apenas 310 km de estrada. Dia parcialmente nublado e, para não ser diferente, pegamos uma chuvinha nas proximidades de Ubatuba. Ubatuba está grande demais, só vi a praia de um alto, na estrada. Massaguaçu, onde acampei em um carnaval, ainda resiste, ainda guarda vestígios dos anos 80. Caraguatatuba também está muito diferente.

A propósito, eu pensava que a Rio – Santos era toda BR 101. Não é. A parte no Estado de São Paulo é de administração estadual, SP 055.

Apesar da beleza da estrada, a viagem se tornou muito cansativa por conta das inúmeras barreiras eletrônicas e físicas. Um pé no saco ficar freando e reduzindo para segunda em cada mondrongo na estrada. E, para piorar, em muitos dos fotosensores não havia indicação clara da velocidade máxima permitida, de 30, 40, 50 ou 60 km/h. O que seria uma viagem de puro prazer em pilotar e curtir o visual, tornou-se um pára e anda muito chato. Acho que não rodava muito mais de 10 km para encontrar um conjunto de bloqueios desses.

Paramos para fotografar na cachoeira do Toque Toque Pequeno. Naquele momento, um grupo com umas oito motos, a maioria BMW 1200GS, passou na direção contrária e nos cumprimentou buzinando. Legal ir vendo Ilha Bela à minha esquerda me trazendo lembranças de muitas trilhas e aventuras passadas ali.

Saímos da estrada, cruzamos um vilarejo e entramos para a Praia do Paúba. Um velho amigo, o André Tadeu estaria passando uns dias por lá. Quando conseguimos contato por telefone, soubemos que ele havia saído de Paúba no dia anterior.

Depois de São Sebastião, descemos a Serra da Boissucanga, íngreme e sinuosa. Lembrei-me de 1981, subindo de RD 350, na boca da noite, aquela serra ainda sem asfalto e cheia de pedras soltas.

Dessa maneira, olhando, comparando e curtindo as lembranças, prosseguimos rodando, até que paramos para abastecer pouco antes de Bertioga. No mesmo posto também parou um camarada numa BMW 650GS, o Alan, que era de Ilha Bela, e trabalhava em Registro, do outro lado do litoral paulista. Jogamos um pouco de conversa fora e ele, enquanto tomávamos café, me recomendou ir pelas balsas de Bertioga e Guarujá, evitando ir pela Piaçaguera, passando por Cubatão e entrando em Santos pela Anchieta.

Um barulho estranho soou no som do meu capacete. Demorei alguns segundos para perceber que era uma chamada telefônica. Era o Guga Dias, amigo em Santos, indicando hotel com tarifa especial conseguida por ele. Guga já esteve em Fortaleza, de passagem para uma epopéia na BR 319 (Manaus – Humaitá) de DL650 V–Strom, com a mulher na garupa.

Antes de chegar a Bertioga, sob uma chuva fina, parei em um entroncamento onde havia um cidadão numa parada de ônibus. O cara disse que eu deveria seguir por aquela estrada, mesmo eu dizendo que não queria ir para Piaçaguera. Um pouquinho mais à frente, desconfiado, perguntei a outra pessoa. Aquela estrada ia direto para Cubatão. Retornei, e ao passar pelo primeiro informante, fiz um gesto obsceno na direção do “fí duma égua”. Não é só baiano que dá informação errada não!

Bertioga, que de uma pequena vila de pescadores, tornou-se cidade movimentada, nos recebeu bem, mesmo com a chuvinha renitente que deixava as ruas molhadas. Entrei na balsa, com muito cuidado para não escorregar a moto no piso liso da embarcação. Havia um carro lotado de mulheres bonitas, animadas e muito tatuadas.

O trecho que menos mudou em relação aos tempos que eu andava na região foi o dos 30 km da estrada do Perequê, que liga Bertioga a Guarujá. As mesmas seqüências de curvas que, por estarem molhadas, não repeti a velocidade que costumava fazer no passado. A praia do Perequê parecia a mesma de antigamente.

Guarujá, cidade grande, trânsito ruim, pouca sinalização e desvios por conta de obras no acesso à balsa para Santos. A espera, na fila para embarcar, demorou uns 20 minutos no calor e sem sombra. Dezenas de motos pequenas na fila. Essa arcaica travessia tem que ser modernizada com urgência. Parece que ponte é inviável, por conta do tráfego de grandes navios. Ouvi falar que o atual projeto é um túnel subaquático.

Na familiar orla da praia de Santos, Marta ficou admirada quando apontei os prédios tortos característicos da cidade. Um motoboy me ultrapassou em manobra perigosa – são todos iguais em qualquer lugar do Brasil... Um cidadão pilotando uma BMW F800GS, percebendo que eu era de fora e chegava à cidade, perguntou gentilmente se eu precisava de alguma coisa, disse que estava tudo bem e agradeci. Tirando alguns detalhes, Santos não mudou nada! Continua com uma das orlas de praia mais bonitas que conheço.

Passei pelos canais que cortam a cidade, o 3 o 2 e o 1 são os mais conhecidos, outrora caminhos de rotina. Morei no canal dois, depois que saí da Fortaleza de Itaipu. Era perto das quatro horas da tarde quando chegamos ao José Menino, bairro quase na divisa com São Vicente, e encontramos o Hotel Imperador, na única área onde há prédios construídos do lado do mar. Um amigo m@diano, o Maurício insistiu para que ficássemos no apartamento dele. “Falta de sacanagem” ocupar casa de amigo em dias de semana!

Bem acomodados, ligamos para o Mau (apelido do Maurício) e ele ficou de nos apanhar no hotel para jantarmos.

Estava fazendo um friozinho na Baixada, imagino que uns 16 graus centígrados. Ventava com uma certa força também. Da cobertura do hotel pude ver como ficou travado o trânsito nas largas duas vias da Av Presidente Wilson, a orla.

Mau e esposa chegaram pelas oito horas e nos levaram a um restaurante tipo churrascaria chique, rodízio de carnes, com um belo bufê com as mais diversas variedades de guloseimas. Boas cervas, boa comida e ótima conversa. Ótima noitada. A propósito, tal como o Rod, amigo m@diano em Vitória, também só conhecia o Mau através do fórum, onde conversamos quase que diariamente, há mais de dez anos.

Dia seguinte, quarta feira, fui com Marta passear em Praia Grande. Antes disso, parei na centenária Ponte Pênsil, em São Vicente, que no passado era único acesso urbano entre Praia Grande e Santos, por onde eu passava, diariamente, a caminho do colégio e depois da faculdade. A Ponte Pênsil foi meu maior incentivo a comprar minha primeira moto, por conta das longas filas que se formavam para cruzá-la em um sentido de cada vez. Naquele dia, estava interditada para reforma e tive que ir pela ponte do Mar Pequeno, o outro acesso, que só ficou pronto pouco antes de eu voltar para o Ceará, em 1983.

Visitei a Fortaleza de Itaipu, onde morei quando meu pai foi servir lá, Também servi por mais de três anos no mesmo quartel. Pena que não pude ir até a ponta de Itaipu, através de sinuosa estradinha de 4 km cruzando mata densa e bem preservada. A justificativa dos milicos foi que havia um exercício militar por lá. Mesmo assim, revi a casa onde morei, parte do aquartelamento que foi rotina para mim entre 1974 e 1980. Revi os equipamentos de combate que manejei, agora como peças de museu, expostas a céu aberto em diferentes locais no quartel. Quando servi era artilharia de costa, atualmente é artilharia antiaérea.

Fiz algumas fotos. Depois me lembrei que não tenho mais o “Coronel” para mostrar...

Fui ao toalete do restaurante Caiçara, que freqüentei nos tempos de quartel. Falei com alguns funcionários sobre os velhos tempos e, o mais antigo deles se lembrou de dois amigos meus, com os quais eu dividi apartamento por uns tempos. Eram meus companheiros de armas, de pescaria e passeios de moto. Trocávamos peixes, frutos da nossa caça submarina, por créditos em cerveja e petiscos por lá. Disse-lhe que eu era o terceiro do grupo do Prado e do Calmon, refresquei a memória do camarada. Ao que ele respondeu: Era o mais sério!

Passeamos por Praia Grande, revi o antigo prédio da namorada de adolescência, o local da casa onde morava quando nasceu minha filha e muitas outras lembranças mais.

Retornando, fomos a Ilha Porchat, em São Vicente. Paramos no bar e restaurante Terraço, no alto da ilha, onde antigamente havia bom movimento de motociclistas. Bela vista para as cidades de Santos e São Vicente. Fizemos algumas fotos e descemos a ilha pelas estreitas ruas ladeira abaixo.

Passeando pela orla, cheguei ao Canal 3 e fui à loja do Mau, onde ele me indicou duas oficinas para a troca de óleo da moto. Não era necessário, pois poderia rodar 10 mil km com o óleo que estava no motor e ainda não havia rodado 5 mil km. Mas, sabe como é, podendo trocar a gente fica mais tranqüilo. Uma oficina era a do “Cricrí” e a outra uma chamada Tecnoforte. Escolhi a segunda pela localização mais familiar e mais próxima. Por conta do nome, fiquei com uma leve desconfiança em alguma gavetinha da memória.

Marta aproveitou para ir almoçar em bistrô indicado pelo amigo.

Assim que cheguei à oficina, apesar de péssimo fisionomista, reconheci o dono e mecânico, o João Forte, o mesmo que fazia serviços no tempo que eu rodava de RD 350 em Santos.

Antes de descer da moto, falei qual era o serviço que procurava – troca de óleo (motul 3000) sem troca de filtro. João informou que o custo, dos quase quatro litros de óleo mais a mão de obra, seria de R$200,00 e que não recebia através de cartão de crédito. Ok, devo ter dinheiro aqui, respondi.

Ainda montado na moto, meu telefone tocou. Era o Guga informando que havia uma troca de óleo gratuita para mim na revenda Ducati em Santos. Agradeci, informando que já estava entrando numa oficina. Muito legal o apoio do Guga Dias.

Enquanto a moto era encaminhada para a plataforma de elevação, para conferir, perguntei se ele era o João Forte, que em 1980 tinha uma oficina junto com o irmão César, no centro de Santos. Era ele mesmo! Falei que era cliente dele naquela época, que tinha uma RD 350 que, certa vez, ele teve que garimpar e trocar o cilindro esquerdo por conta de um acidente, que eu era do exército e que ainda tinha cabelo na época, etc. Ele não me reconheceu, e começou a fazer o serviço cuidadosamente.

A Tecnoforte só recebe motos com cilindrada acima de 600. O César, irmão dele, tem outra oficina que trabalha com motocicletas menores.

Havia o auxiliar caladão do João e mais dois motociclistas das antigas na oficina. Conversamos sobre motos antigas, viagens, enfim, um bom papo que fez o tempo passar rapidamente. Num lapso de memória, o João perguntou se minha RD era verde. Bingo! – A gente mexia em muita porcaria naquele tempo, disse o João. Rimos muito e lembrei que, naquele tempo, as tais porcarias eram o melhor que a gente podia ter.

Reencontrei Marta na loja do Mau, guardei a moto na garagem e o amigo nos levou de carro ao centro da cidade para fazermos o passeio de bonde pelas ruelas históricas de Santos.

À noite, tive o imenso prazer de juntar três amigos, que não se conheciam, numa ótima noitada, em um boteco que o Mau escolheu, nas proximidades do apartamento dele. Juntamo-nos, eu com Marta, Mau com Paulinha e filha moça, Guga Dias, e André Tadeu, que desceu de São Paulo com sua mulher, Meire, e Maya, a filhotinha de meses, só para nos encontrar. Mariscada de primeira, cerveja da decente e bem gelada, dicas de estradas e conversa que não acabava mais.

Marta e as outras mulheres fizeram um complô e pagaram a conta sem que nós percebêssemos. Já passava de uma da madrugada quando, a contragosto, nos despedimos. Foi muito bom!

Quinta feira, dia 25 de setembro, dia de partir sem local certo para passar a noite, mas o rumo era Belo Horizonte, onde ia retribuir a visita de um velho e dileto amigo m@diano, o Jota, com quem já tive algumas oportunidades de encontrar em BH, em Fortaleza, quando ele veio de Super Teneré 750, e em Aracaju, quando rodamos juntos numa visita a Piranhas e ao cânion do São Francisco.

Como sempre, acordei cedo tomei café e fui arrumar a pesada bagagem na moto. Dei partida para aquecer o motor e meu isqueiro, que estava sobre o tanque caiu nas entranhas da moto. Com roupa de viagem, e começando a suar, procurei por todo canto e nada. Depois de muita procura, achei a coisa em um lugar que eu conseguia tocar, mas nada de tirar do lugar. Esse aborrecimento matinal me fez até pensar em deixar de fumar. Só Marta, com sua paciência infinita, conseguiu resgatar a porcaria do isqueiro. Aff!

Na noitada anterior, conversei sobre meu roteiro com os amigos. Como eu não queria entrar em São Paulo de jeito nenhum, muito menos trafegar no “rodoanel”, de onde tenho tomado conhecimento de freqüentes roubos de motocicletas, a recomendação foi sair do litoral via rodovia Mogi-Bertioga e, depois, ir pela Dom Pedro I até a Fernão Dias, contornando, desta forma, a loucura que é São Paulo.

Entre oito e nove horas da manhã, fizemos a travessia para Guarujá, a falta de placas informativas me fez chegar a uma rua larga, com canteiro central e tudo... sem saída! Era área de treinamento de auto-escolas. Acertei o rumo e novamente pilotei com prazer, deitando a moto para um lado e outro, nas curvas da estrada do Perequê até a balsa de Bertioga. Durante a navegação, Marta encontrou conversa com um idoso e uma rapaziada tipo bicho-grilo me fez várias perguntas sobre a moto.

Meu plano inicial era voltar pela Rio – Santos até perto de Angra dos Reis, subir a serra pela estrada que passa por Lídice e chegar em Barra Mansa, para daí entrar na BR 040, rumo a Belo Horizonte. Desisti dessa ideia por conta da quantidade de lombadas que tive de escalar com a moto na ida a Santos.

Após rodarmos por mais uns 10 km na SP 055, chegamos ao entroncamento com a Mogi-Bertioga, SP 098. Foram cerca de 50 km de prazerosa subida por ótima estrada com três faixas, sendo dupla a pista ascendente. Boas curvas, algumas cachoeiras e muita mata preservada. O frio aumentava sempre que uma nuvem baixa deixava a estrada sob cerração. Nessas horas, a gente lembra como é bom ter um motor boxer de 1200 cilindradas roncando saudável entre as pernas.

Começamos a ver pequenas fazendas, a maioria voltadas para produção de hortaliças, ao nos aproximarmos da zona urbana de Moji das Cruzes. Na cidade, parei para abastecer a moto e aproveitei para pedir ao frentista orientação de como chegar à rodovia Airton Senna.

Segui pela SP 088 por 15 km até chegar à SP 070, que eu imaginei ser a Airton Senna, mas logo vi uma placa informando que eu estava na Rodovia Governador Carvalho Pinto, depois percebi que ela muda de nome ao longo do percurso. Foram 26 km de excelente estrada duplicada, bem sinalizada e com tráfego tranquilo. Pouco antes de Jacareí, cheguei ao trevo de entroncamento com a rodovia Dom Pedro I.

A SP 065, Rodovia Dom Pedro I, foi, sem sombra de dúvida, a melhor estrada de toda a viagem, em termos de segurança e infra-estrutura. Durante os 75 km até chegar a Atibaia, onde a estrada cruza com a Fernão Dias, o velocímetro se manteve quase o tempo todo com o ponteiro marcando 130 km/h, e o maior prazer foi passar por diversos fotosensores sem ter que tirar a mão do acelerador, pois a velocidade máxima era de 120 km/h. Tive a impressão de que estava em um país civilizado.

Além de ótima estrada, a paisagem em volta da Dom Pedro I é muito agradável. A propósito, também foi o pedágio mais caro da viagem; R$6,00 para motocicleta.

Durante este percurso, passamos por duas represas (Igaratá e Atibainha, ambas do sistema Cantareira) cujas “pontas d’águas” chegavam à estrada. Angustiante, mesmo para um cearense, ver o quanto o nível de água daqueles reservatórios estavam baixos.

Entramos na rodovia Fernão Dias, BR 381, que liga São Paulo a Belo Horizonte, estrada de pista dupla e faixa auxiliar nas subidas, porém com intenso tráfego pesado. Algumas vezes fiquei atrás de três caminhões, um ao lado do outro, aguardando minha vez, enquanto eles se ultrapassavam lentamente uns aos outros.

Rodei numa tocada na faixa dos 120 km/h, dando “tichau” com mão para os fotosensores que marcavam 100 ou 110 km/h para veículos leves, mas que tinham suas lentes flagradoras apontadas para a placa dianteira dos carros.

A Fernão Dias é estrada para menino grande, pois o tráfego é feroz e as profundas marcas, vistas em cada curva, são testemunhas dos inúmeros acidentes com veículos pesados, se arrastando, virados, riscando profundamente o duro asfalto.

Depois de 75 km de Fernão Dias, saímos de São Paulo e entramos em Minas Gerais, paramos em Camanducaia para lanche e abastecimento da moto. Era por volta das duas da tarde, não daria para chegar a BH sob a luz do dia, pensava em pernoitar em Varginha, onde alguém me informou que aniversariava o m@adiano Baeta. Porém, analisando o mapa, aberto na estrada do dia, sobre a mala de tanque, percebi que Monte Verde estava perto e me lembrei que os amigos que lá estiveram falaram muito bem do lugar.

Marta topou ir à Monte Verde. Um cidadão local, que abastecia sua pequena motocicleta, puxou conversa, dizendo, naquele sotaque mineiro bem carregado, que era da roça e apesar de ter um carro, ele ficava parado, porque ele também só gostava de andar na moto. Perguntei se havia muita serra no caminho para chegar a Monte Verde e ele respondeu que não, que não havia serra pelo caminho.

Passando as ladeiras calçadas com paralelepípedos de Camanducaia, chega-se a uma estradinha com bom pavimento de asfalto e com muitas subidas e descidas repletas de curvas fechadas. Olhando para os lados, viam-se pequenas e antigas fazendas, mata nativa, bosques de eucaliptos ou de pinheiros. Na beira da estrada, muitas lojinhas de vinhos, licores, cachaças, queijos e artesanatos diversos. Dava vontade de parar em todas.

Paramos em uma dessas lojas e fomos muito bem recebidos por uma simpática moça. Provei licor, cachaça e apreciamos tudo o que havia por lá. Fizemos também a única compra de toda a viagem: uma pequena pimenteira feita de pedra sabão. Depois de algumas fotos, seguimos adiante, com muita atenção por conta das incontáveis curvas e abismos.

Minha moto, acostumada às estradas nordestinas, nunca fez tantas curvas como nesta viagem!

Falando nisso, queria saber em que tipo de lugar mora aquele camarada que se disse da roça lá em Camanducaia, já que, para ele, não havia serra no caminho de Monte Verde...

Sem pressa, depois de 30 km de agradabilíssima estrada, chegamos a Monte Verde pelas quatro da tarde. Havia muitas placas de hotéis e pousadas, não tínhamos ideia de onde ficar. Marta pensava em hotel fazenda, mas as placas indicativas não informavam a distância, e nem eu queria me aventurar por estradas vicinais não pavimentadas sem mínima ideia das condições de rodagem, afinal, apesar de a moto ser uma big trail, carregava muito peso.

A rua principal, de lajotas, é cheia de lojas, bares e restaurantes, tudo muito bem ajardinado e decorado em estilo típico da colonização ítalo/germânica. Muito bacana.

Trafegamos devagar, observando a cidade e pousadas. Entramos pelas esburacadas e poeirentas ruas transversais e começamos a consultar pousadas. A maioria com preços de diária acima de R$250,00. Eita lugar caro! Finalmente encontramos uma pousada com preço compatível, 150 contos, sem hidromassagem. Limpa, confortável, moto bem guardada, cobertor elétrico e lareira. Mas para acender a lareira havia um custo adicional. Não estava tão frio assim.

Uma quinta feira, 18 de setembro, baixa temporada, e ninguém abaixa os preços de nada.

Caminhamos a pé, entramos em lojas, degustamos queijos e cervejas especiais. As variedades de queijos e embutidos eram tantas que imaginei o tamanho da compra, caso estivéssemos viajando na camionete... Escureceu e escolhemos um restaurante para nosso almoço/jantar. Pedi à garçonete que primeiro nos servisse vinho e cerveja no lado de fora, em um dos bancos existentes na rua. Queria curtir o lugar ao ar livre, com o agradável frio que fazia.

Quando entramos para jantar - estávamos em Minas! – portanto leitão a pururuca com direito a torresmos, feijão tropeiro e tudo mais! A refeição veio farta e saborosa, daria para quatro pessoas, tranquilamente. Depois de saciada a fome, percebemos que, talvez tirando algumas exceções que desconheço, Monte Verde é lugar para se pedir fondues, trutas, filés e demais pratos sofisticados típicos de estações de inverno. Marta pediu uma embalagem de alumínio e levou as sobras, que distribuiu aos cinco agradecidos cachorros notívagos que encontramos a caminho da pousada.

Cobertor ligado à tomada de eletricidade? Preferi dormir sem isso...

Levantei cedo e fui caminhar pela cidade, em busca de boas imagens para fotografar. Quase ninguém nas ruas, e os poucos que encontrei eram pessoas do lugar, gente, como se diz, “da roça”, indo trabalhar ou já a postos, fazendo reparos nas casas e pousadas e cuidando de jardins. Mas como são poeirentas as ruas sem pavimentação!

Retornei uma hora depois e Marta ainda dormia. Ela gosta de dormir, e se eu a forçar a levantar mais cedo arrisca a cochilar na garupa.

Saímos de Monte Verde quase às dez horas. Belo Horizonte estava a 480 km de distância e eu esperara chegar antes das cinco da tarde. Não é muito agradável entrar em cidade grande ao anoitecer. Era sexta feira, dia de farra em BH.

Bebemos todas as curvas, aromas e paisagens do agradável passeio na gostosa estradinha até voltarmos para a seriedade da Fernão Dias.

Sempre que havia obras na pista, colocavam um exagero de cones a uma distância mais que segura do local isolado. Algumas vezes, para me livrar do tráfego lento quase parado de carros e caminhões, passei com a moto na parte que queriam isolar com os cones. Os camaradas com bandeirinhas balançando na mão faziam cada cara feia!

Cruzamos com um grupo viajando de motos, a maioria BMW 1200GS, trocamos acenos e, acreditem, havia uma Harley grandona no meio. Motocicletas enfeitam a estrada.

Uma das minhas diversões era, depois de ser ultrapassado por essas camionetes 4x4 cabine dupla fodonas, mais à frente, passar por elas presas nas reduções de pista, por conta de obras e gritar um divertido “chuuupa” dentro do capacete.

Da estrada, avistamos uma enorme estátua do Pelé, ao passarmos por Três Corações, terra natal do mais conhecido dos brasileiros.

Reparei uma coisa, não só na Fernão Dias, mas também nas outras estradas duplicadas que passei, longe dos centros urbanos, todos permitem ultrapassagem civilizada indo para a direita, coisa que deixa de ocorrer nas proximidades das cidades grandes.

Por volta das quatro da tarde, o trânsito começou a travar, entramos da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Betim e Contagem. Na lateral da estrada, grandes instalações e dezenas de depósitos de derivados de petróleo me lembraram uma zona portuária. Estamos longe do mar!

Jota havia me orientado na última conversa telefônica a seguir pela via principal até chegar a Avenida do Contorno. De lá, eu ligaria que ele viria nos resgatar. Fui indo, fui indo e fui indo... apareceu a Av Amazonas, indicativo que já estava na capital mineira, comecei a prestar atenção nas placas das vias transversais para encontrar a tal Contorno.

Fui bater no centro da cidade, e nada da Contorno. Rodopiei por imensa rotatória, passei por mercados, procurei lugar para estacionar e tudo era muito complicado. Até que, de volta à Av Amazonas, subi numa calçada larga, desliguei a moto e telefonei para o amigo. Ele disse que eu procurasse um boteco para estacionar de forma decente e tornasse a ligar. Lá vou eu de novo, rodar nessa cidade de trânsito travado e sem ter como referência uma praiazinha sequer.

Não encontrei na Av do Contorno porque no cruzamento com a Amazonas não havia sequer uma placa indicativa desta importante avenida da cidade.

Lembrem-se: minha moto estava pesada e larga com as malas laterais expandidas. Vi um parque e notei que estava na Afonso Pena, com o trânsito travado, resolvi virar a direita, sei lá para onde. Entrei à direita novamente, numa rua mais calma com nome de Estado nordestino, Alagoas, uma antes era Pernambuco e uma depois era Sergipe (Ô nordeste que não me larga!). No cruzamento da Alagoas com a Rua dos Aimorés (e os índios também!) encontramos um lugar sombreado para estacionar a moto e, logo em frente, um bom boteco de esquina para esperar a salvação.

Sensação boa de chegar. -Uma cerveja, por favor!

Não deu tempo de terminar a cerveja, o Jota chegou pilotando sua bela Triumph XC800 Road. Depois dos abraços, Jota nos apressou por conta do trânsito, que ficaria ainda mais complicado conforme fosse chegando perto das seis da tarde. Arre égua, golão não!

Segui o amigo até que, num pé de ladeira bastante íngreme, ele parou e disse que a entrada da garagem do prédio dele ficava pouco depois do meio do ladeirão, e que alguns amigos que o visitaram antes haviam amarelado e pedido para ele subir a moto deles. -Se você sobe com tua moto eu subo com a minha também, eu disse. -Vou na frente para você ver onde eu entro, disse o Jota. Foi tranquilo, mas que é um ladeirão e tanto, isso é. Ainda mais com garupa e bagagem. A subida em dia de chuva deve ser mais complicada.

Ô cidade prá ter ladeira! O povo parece que tem gene de cabrito montês.

Eu já estivera em Belo Horizonte algumas vezes. A primeira vez, em 1988, passei mais de uma semana na cidade, em viagem de carro. Até que aprendi a me deslocar bem em algumas partes da cidade, Savassi, Mercado Central, BH Shopping e rua Grão Mogol e adjacências. Porém, agora estava mais complicado. A cidade cresceu e o trânsito aumentou muito.

Moto na garagem e nós no apartamento do Jota, depois do brinde de chegada, já bem acomodados, ele nos deixou para retornar ao trabalho que iria até às oito da noite. Fui procurar cerveja (das comuns mesmo) nos arredores e só encontrei latão de Brahma, depois de subir e descer uns ladeirões. Não queria ficar a seco e, tampouco, desfalcar o estoque de brejas especiais que o amigo tem.

Jota retornou, trouxe Ana, sua namorada e pessoa muito especial. Fomos prá rua pegar um táxi que a noitada seria na casa de um amigo, o Bida, um m@diano discreto, com os demais amigos do forum em BH, o LG, o Dhum, o Lamas, o Bráulio e o Gustavo, além da mulherada toda.

Bacana a casa do Bida, principalmente sua garagem enfeitada por cinco motos, de DR650 a Varadero 1000.

Degustamos cervejas das suaves às mais fortes, das adoçadas até as mais amargas que já provei. Foi cerveja muita! E entre uma taça e outra, pães especiais e uma linguicinha mineira tirada da brasa na hora de comer. Foi uma noitada inesquecível, ótima turma e ótimas conversas. Entramos num táxi para voltar pelas duas da madrugada.

Acordei na manhã do sábado, às nove horas... ainda zonzo.

Enquanto os demais sobreviventes não acordavam, em silêncio, descobri um pote de capuccino, fervi uma água e preparei a boca para um cigarro. Saí, caminhei pelas ladeiras, encontrei um salão e pedi para me passarem a máquina na cabeça, numa farmácia grande, encontrei ingredientes para um café da manhã. Casa de solteiro que não faz refeições em casa é assim mesmo. Acho que o Jota só faz café moído na hora em casa. Mas eu não iria mexer naquela geringonça barulhenta, não.

O povo acordou, tomou café, Ana chegou e começamos a nos preparar para o passeio do dia: Inhotim. Fomos no carro do Jota, um carrinho com câmbio automático especial para as ladeiras da cidade. Nosso caminho foi por interessantes estradas secundárias, com muitas chácaras e mata preservada.
Abaixo, algumas informações adicionais sobre Inhotim, que obtive na internet:

“Inhotim é um lugar em contínua transformação, onde a arte convive em relação única com a natureza. Situado em Brumadinho, a 60 km de Belo Horizonte, Inhotim ocupa uma área de 97 ha de jardins botânicos com uma extensa coleção de espécies. Centro de arte contemporânea Instituto Inhotim foi idealizado pelo empresário Bernardo Paz em meados da década de 1980. Em 1984, o local recebeu a visita do renomado paisagista Roberto Burle Marx, que apresentou algumas sugestões e colaborações para os jardins. Desde então, o projeto paisagístico cresceu e passou por várias modificações. A propriedade particular foi se transformando com o tempo. Começava a nascer um grande espaço cultural, com a construção das primeiras edificações destinadas a receber obras de arte contemporânea. Ganhava vida também o rico acervo botânico, consolidado a partir de 2005 com o resgate e a introdução de coleções botânicas de diferentes partes do Brasil e com foco nas espécies nativas”.
”Inhotim" é oriundo do nome do antigo proprietário de terras na região, um geólogo inglês conhecido apenas como Timothy ou Tim, que, no século XIX, instalou-se nos arredores da cidade. O tratamento dado ao proprietário partiu de "senhor Tim", derivando para o típico da época "Nhô Tim", que se tornou, finalmente, "Inhotim", denominação que se estendeu à sua fazenda - como "Vila do Inhotim" - e acabou por dar nome à localidade.

A partir de 2006, a área se tornou muito conhecida por abrigar o Centro de Arte Contemporânea Inhotim, considerado o maior centro de arte contemporânea a céu aberto da América Latina. A área de visitação, com aproximadamente 100ha cercados de mata nativa, foi dado tratamento paisagístico; por entre jardins e lagos ornamentais, distribuem-se pavilhões e galerias de arte, além de edificações de apoio. O Centro também abriga um jardim botânico com mais de 4.000 espécies.”

Foi um dia legal, algumas coisas em Inhotim eram bem interessantes. Tudo muito lindo, tudo muito limpo bem arrumado. Gostei dos jardins e lagos em tom de esmeralda, das esculturas e bancos feitos a partir de troncos de imensas árvores, muitos pássaros esquilos e lagartos. Da arte plástica propriamente dita, gostei de uma sala toda em tons vermelhos e, num canto da sala, uma pequena garrafa de onde escorria um líquido também vermelho que terminava por dominar tudo em volta. A sala era meio infantil, mas a tal garrafinha fez a diferença.

Havia outras provocações sensoriais ativas interessantes, algumas opressoras como andar sobre vidro quebrado entre cercas de arame farpado, e alucinógenas, como o chafariz dançando sob efeito de luz estroboscópica, coisas típicas da arte contemporânea. Só não gostei da leve sensação de “gado” que sentia ao me deslocar com muita gente pelo mesmo caminho. Porém a companhia de Ana e Jota compensaram esse detalhe.

Ao chegarmos no ap, fui ver se comprava cigarro num boteco de esquina ladeira acima. Enquanto pedia meu veneno suave, reparei que o camarada do boteco vendia cervejas fortes. Vi uma com 13GL de teor alcóolico, uma tal de “Coice”, e decidi levar. O camarada, dono do bar, veio me alertar que aquela cerveja era para se tomar sentado na cama, pois depois do coice a queda era certa.

- Você é o cearense que está hospedado no apartamento do Jota? Perguntou Edinho, o dono do bar, ao perceber meu sotaque enquanto conversávamos. Levei a cerva, os cigarros e a vontade de voltar. Cervejinha coiceira aquela!

Mais tarde fomos com Jota e Vítor, seu filho adolescente, jantar em um restaurante argentino. Ótimas carnes e embutidos.

Domingo. O tempo deve passar de forma diferente para a mineirada, sei lá... as coisas caminham com mais vagar, sem muita preocupação ou estresse. Ou será eu o apressado? Que tal visitarmos o Mercado Central?

Marta começou a ficar com vontade de voltar e falou em pegar um vôo para Fortaleza. Sem objeções, perco a garupa mas não perco a viagem. Aproveito e fico com a moto mais leve, pensei. Chegaram a pesquisar horários das companhias aéreas, preços e desistiu. Achei melhor, mas no futuro repensarei meus roteiros garupado.

Às onze e meia, descobrimos que o Mercado fecharia ao meio dia. Então vamos passear, que tal Mangabeira para ver as mansões? Os mais ricos de Belo Horizonte ainda moram em casas, em Fortaleza, acho que preferem apartamentos.

De Mangabeira fomos para Praça da Liberdade, onde havia uma feirinha e uma exposição de arte no Centro Cultural Banco do Brasil. Encontramos amigos e, na feirinha mesmo, batemos o centro com um chopp artesanal vendido em uma barraquinha.

Um belíssimo acervo particular estava exposto no Centro Cultural. Recebemos uma breve orientação sem frescuras e fomos admirar as obras de arte, pinturas, esculturas e até fotografia. Muito bom!

A propósito, em Inhotim máquina fotográfica praticamente é banida nas exposições fechadas. Já no Banco do Brasil só pediam para não usar flash.

Estamos em Minas Gerais, com sede em Belo Horizonte e... cadê os botecos???

Rumamos para o Bar do Edinho, claro! Distante 40 metros ladeira acima do prédio do nosso anfitrião – arriscaria virar diarista numa situação dessas... Nos hidratamos com as Heinekken, pois com aquelas cervejas especiais, Coruja pale ale ou a tal Coice, a gente corria o risco de rolar ladeira abaixo. Torresmos a pururuca, feijão tropeiro, dobradinhas e linguiças serviram para acompanhar a ótima e divertida conversa da tarde de domingo. Edinho e esposa nos deram total atenção. Na saída, já noite, Edinho me presenteou com dois pacotes de torresmos pré-prontos que trouxe, com muito cuidado, para Fortaleza.

No apartamento do Jota, enquanto assistíamos o Auto da Catingueira, de Elomar, uma verdadeira ópera nordestina, cujo duelo de viola entre um aventureiro e um homem de família terminaria em tragédia, continuamos a degustar as brejas trapistas especiais que o cabra encomenda e coleciona. Tem ele toda razão em chamar nossas cervejas populares de pamonhas líquidas, não tem como comparar sabor, aroma e textura da espuma.

Jantamos uma bela massa ao alho preparada por Marta e Ana, acho, já que não me deixaram dar pitaco na cozinha.

O dono da casa foi passar a noite com a namorada, deixando-nos a sós no apartamento.

Segundona, dia de estrada. Levantei cedo e comecei a levar a bagagem para a moto, que estava descansando quietinha, por dois dias, num canto da garagem. Havia um sensor de presença e eu não tinha o controle para desligar o troço que fazia um barulho ensurdecedor. Esperei, a qualquer momento, receber uma bronca de algum morador. Carreguei as malas laterais, a top case e subi deixando o alarme troando. Felizmente uma boa alma desligou o alarme uns dez minutos depois.

Na noite anterior, Jota havia me mostrado alternativa de estrada para evitar a movimentadíssima BR 381, entre BH e Governador Valadares, que ele não me recomendava trafegar. A alternativa no Google Maps parecia simples, passava por Ouro Preto fazendo um arco até João Monlevade. No entanto, diferentemente da linha azul no computador, ao abrir o mapa de papel, verifiquei que essa alternativa não seria tão simples assim, haveria muitas mudanças de estrada pela frente e o risco de seguir por rumo errado seria grande. Preferi enfrentar a 381.

Para subir o pedaço de ladeira até a esquina onde ficava o Bar do Edinho, Marta preferiu ir a pé. Aceitei porque o asfalto estava molhado e uma queda besta não seria nada bom para começar um dia na estrada (nem para minha reputação!).

Segui a Triumph do meu amigo até um posto de gasolina onde abasteceria a moto e receberia as últimas instruções para sair da cidade. Acompanhei mais um pouco a luz traseira da moto do meu amigo até que ele entrou à direita e eu segui em frente. Nos despedimos com um buzinaço.

Obrigado Jota!

Rodei por mais meia hora com tráfego pesado, quase parado, muitas vezes buscando corredores entre os caminhões. Finda a zona urbana de periferia, a estrada ficou mais aberta, porém ainda com muitos caminhões e muitas curvas. Notei à minha direita, no alto de uma montanha, um famoso santuário que era tradicionalmente visitado por Tancredo Neves, no município de Caeté, a estrada, portanto, não era a BR381, mas sim um pedaço da BR262 misturada com estradas estaduais. Devo ter pegado alguma saída errada... ou induzido pela sinalização. Mas não fez diferença, pois 62km à frente, sem notar diferenças, estávamos na 381.

Ainda em Caeté, passei pela entrada que se chega ao Hotel Tauá, onde em 2007 passei 15 dias em trabalhos de preparação do Censo Agropecuária realizado naquele ano. Foi bom ver o Bar do Mundinho, onde, quase que diariamente saíamos do hotel para tomar cerveja e comer uma linguiça especial preparada pelo próprio Mundinho. Lembro que levei alguns quilos para Fortaleza.

Estrada de pista simples com muitas serras e curvas, foi o tráfego mais pesado e intenso de toda a viagem. Se eu costumava dizer que a Rio – Bahia era estrada para menino grande, agora eu digo que é para criança adolescente, para menino grande é a BR 381!

Nessas horas a gente entende o que significa estar no comando de uma motocicleta potente, equilibrada e segura. Já tinha feito algumas pequenas viagens com a Kombi, como eu chamo minha BMW R1200 GS, somando mais de dez mil quilômetros rodados, estava, portanto, familiarizado com a máquina. Mas viagens em estradas pouco movimentadas pouco servem para demonstrar de que uma moto assim é capaz. Com a GS, sem precisar reduzir marcha, conseguia ultrapassar com segurança três, quatro, cinco caminhões de uma vez. Em subidas mais fortes, bastava descer para quinta e acelerar que a moça não negava potência - Entrega a cavalaria em todas as faixas de giro. Muito segura nas curvas, se bem que eu sempre me acautelava pensando em óleo na pista, e muito precisa nas frenagens. Apesar do alto consumo de gasolina (média de 14km/litro), e autonomia segura relativamente baixa (cerca de 250km), esta viagem serviu para confirmar que estou com a moto certa para mim.

Perto de João Monlevade, fiquei atento a placas, porque sabia que a estrada que seguia naturalmente em frente se tornava a BR262, e eu tinha que entrar à esquerda para continuar na 381. Preocupei-me quando vi uma placa anunciando o Parque Nacional da Serra do Caparaó mais à frente. Pensei que havia passado direto por alguma entrada invisível, mas era apenas uma placa prematura, muito prematura. O trevo para Governador Valadares apareceu pouco mais à frente.

A região é de extração de minério de ferro. O Rio Doce viajava à nossa direita junto com uma ativa linha férrea. A principal cidade no trecho é Ipatinga. Em alguns trechos, percebe-se o início de obras de merecida duplicação desta estrada.

360km depois de Belo Horizonte, pouco depois do meio dia, chegamos a Governador Valadares, na BR 116. Parei para abastecer em um posto grande, e Marta foi lanchar no restaurante, enquanto eu abastecia a moto. Um mulher bonita, na faixa dos 40 anos, perguntou se eu era o Luiz Almeida de Fortaleza e disse que o filho dela tinha o meu livro e era meu admirador. Fiquei sem jeito quando ela ficou ao meu lado para um “selfie” para mostrar ao filho, cujo nome não me era estranho. Ela quis telefonar para o rapaz e enviar a foto. Pedi que só fizesse isso depois de uns dez minutos, quando eu partisse. É porque tenho alguns bons amigos em Governador Valadares, e se eles soubessem que eu estava por lá, estou certo que não me deixariam seguir viagem. Eu havia prometido a Marta que quarta feira estaríamos na casa da praia, no Ceará.

Qualquer dias desses, farei uma visita de verdade aos amigos em Governador Valadares.

A segunda parte do dia foi bem mais tranquila, pois a famigerada Rio – Bahia era fichinha diante da BH – Valadares. Não tinha previsão para pernoite, porém, depois de 300km na 116 chegamos a Itaobim, por volta das 16:30h. Como chegar a Vitória da Conquista pedia mais 230km de chão, decidi concluir a jornada ali mesmo, já que encontramos uma pousada nova e bem arrumada na beira da estrada, Pousadas das Araras. Para jantar, o recepcionista indicou um posto 4km para trás, já que na cidade, segundo ele, nada havia que prestasse. Jantarzinho pereba, mais parecia sobras do almoço.

Fazia um frio gostoso, fiquei um tempo na varanda do nosso apartamento, tomando umas cervas e admirando o movimento cansado dos caminhões notívaros que passavam na estrada.

Como de costume, tomei meu café da manhã rapidamente, tirei a moto da garagem na parte de trás da pousada, carreguei as malas e aproveitei para aquecer o motor, enquanto aguardava Marta concluir sem pressa sua refeição matinal. Se eu a forçar para sair muito cedo... corro o risco de ter uma garupa cochilando durante a viagem...

Não lembro o motivo, mas fui mexer no meu telefone e não é que, de repente, a música no capacete ficou audível? Parece que um volume qualquer, lá no telefone, influi no volume da música no intercomunicador. Só fui perceber isso no penúltimo dia de viagem... Escutei Tarkus, do Emerson, Lake and Palmer, tal qual escutava na mesma BR116, quando viajava com meu pai na Kombi da família. Não sei como o Coronel aguentava...

A propósito, armazenei para a viagem diversas músicas, cerca de 800, um pouco de MPB, blues tradicionais, peças clássicas e óperas. O que mais me deu prazer de ouvir pilotando foram os grandes corais das óperas. É simplesmente fantástico entrar em curvas ouvindo Prince Igor dentro do capacete!

Minha vontade, para cumprir a promessa de chegar na quarta feira, era rodar até Euclides da Cunha, distante 840km de Itaobim. Vamos ver se dá, vai depender da estrada e das nossas paradas.

Entramos na estrada por volta das oito horas, ainda fazia um friozinho agradável. Sempre começo o dia rodando mais devagar, abaixo dos 100 por hora, até que sinta que o equipamento, e os sentidos, tenham aquecido e entrado em ritmo de viagem.

Cruzamos a divisa de estados e entramos na Bahia com nuvens negras à frente. Não demorou e uma boa chuva começou a molhar a estrada.

Um dos melhores acessórios que coloquei na “Kombi” foi um anti-splash discretamente instalado sob o paralama traseiro. A 1200GS tem um formato de construção neste paralama, e na proteção da mola do amortecedor, que faz com que o pneu jogue toda água da estrada nas canelas do piloto. Com o acessório, mantive as botas secas.

A chuva foi forte o suficiente para que os pneus dos caminhões formassem denso spray prejudicando a visibilidade de quem vai atrás, dificultando muito as ultrapassagens. Ao tentar fazer uma ultrapassagem, percebi um carro branco, vindo em sentido contrário, camuflado no meio do spray. Não dá para confiar, muitos idiotas como aquele não sabem que sob chuva é obrigatório acender os faróis.

A propósito, nossa roupa de viagem, parcas e calças são da marca AlpineStar, que pedi para Marta comprar numa viagem feita à Miami. Equipamento relativamente caro, no entanto, valeu cada centavo que paguei. Só usei colete e calça interna contra frio e chuva quando senti frio. Para chuvas esparsas não foi necessário - a moto e a roupa seguram bem a água e não nos molhamos.


Depois de cerca de meia hora, a chuva passou e deixou a estrada molhada até perto de Vitória da Conquista.

Cruzar aquela cidade é sempre um transtorno. A cada semáforo há faixa de pedestres elevadas em mais de palmo. Caminhões de todos os tipos, além dos carros e motos, têm que praticamente parar mesmo com o sinal no verde. O forte cheiro de fumaça de diesel chega a incomodar. Alguém precisa dizer ao prefeito que aquelas faixas de pedestres são altamente poluidoras do ar. Alô ecologistas!

Passava das três da tarde, quando fiz aproximação de Feira de Santana, com muita cautela para não arriscar entrar na cidade. Entrei no pátio de um posto e consultei um motorista de caminhão, dialogando com o camarada no alto da cabine do monstrengo. Recebi informações corretas e consegui tangenciar a cidade, escapando do inferno. Mesmo assim, encontrei tráfego travado à frente. Mas pelo menos estava na estrada.

Por conta desse tráfego, muitas vezes parado, muito à contragosto, tive que trafegar pelo acostamento. Numa dessas, entrei para o acostamento bem na frente de uma camionete da Polícia Militar da Bahia... a placa da minha moto se mantinha ilegível desde Santos... Fui em frente, certo que não mais veria aquela camionete policial.

Senti um frio me gelar o baixo abdômem quando, minutos depois, vi as luzes do “giroflex” da viatura policial no meu retrovisor. Já ouvi história que a pulíça baiana atira antes e pergunta depois. Destorci a mão do acelerador e reduzi a velocidade de 120 para 80 km por hora – não queria, de jeito nenhum, dar impressão de tentativa de fuga – e esperei a abordagem.

Só respirei tranquilo quando os policiais me ultrapassaram normalmente como se nada tivesse acontecido. Voltei à minha velocidade de cruzeiro e, mais à frente, ultrapassei o mesmo carro da polícia de forma regulamentar, dando ainda uma buzinada como cumprimento.

Mais à frente, numa sequência de lombadas, cumprimentei três policiais fortemente armados, inclusive com metralhadoras de mão, e recebi continências de volta. A região é barra pesada.

70km depois de Feira de Santana, chegamos à Serrinha. Era pouco mais de quatro horas da tarde e havia cerca de 150km para se chegar a Euclides da Cunha, onde Marta esperava pernoitar e comer o mesmo bode na brasa do primeiro dia da viagem.

Abasteci a moto e perguntei ao frentista sobre pousada na cidade. Lembrava-me que em viagem de 2012 o Joarez havia comentado que pernoitou numa pousada boazinha naquele lugar.

Marta queria prosseguir até Euclides, mas considerei muito arriscado rodar à noite naquele trecho, que é famoso pelos assaltos a carros, motos e caminhões. Fazer 150km depois das cinco da tarde naquela estrada seria pedir para ser assaltado.

Fui ver a pousada, bem pertinho do posto, numa rua de barro poeirenta. Pertencia a um policial, garagem fechada, tudo limpo, porém as acomodações eram modestas e apertadas. Fiquei assim mesmo, para piorar o mau humor da minha garupa. Nossa segurança é mais importante que um hotel já conhecido e um bode na brasa, como ela queria em Euclides da Cunha.

O único funcionário da pousada nos indicou um restaurante para jantar, um tal de Morena Bela que ficava do outro lado da pista, assim, assado...

Mesmo trombuda, Marta topou ir jantar e subiu na moto. Quem passa só pela estrada não vê a cidade, que me pareceu limpa, simpática e bem arborizada. Chegamos numa praça grande, com muitas árvores, e a contornamos até que chegamos a um restaurante com boa aparência e, ainda montado na moto, perguntei sobre a tal Morena Bela para três mulheres, que estavam numa mesa na parte externa do estabelecimento, elas fizeram que não era com elas, não nos deram atenção. Sorte que um garçom veio em nossa ajuda e disse que a praça era que tinha o nome de Morena Bela, e que eles poderiam, sim, nos servir um bom jantar.

Estacionei, pedi uma cerveja. No cardápio encontramos um prato à base de cabrito (bode, como eles chamam) na brasa. Enquanto beliscávamos entrada de queijo de coalho com mel de engenho, começamos a ouvir um barulho forte vindo do lado de fora. Logo percebemos do que se tratava.

Era feriado municipal, naquela terça feira, Dia dos Evangélicos. O que trazia o barulho de fazer tremer nossa caixa toráxica era um enorme caminhão de som, aqueles monstrengos típicos dos carnavais baianos, que tocava música evangélica no ritmo de “axé” ou algo parecido, bastava colocar a palavra “Jesus” no meio de muitas vogais. Diante do monstro sonoro, uma multidão caminhava e dançava. Atrás, os bêbados tradicionais cambaleavam. Em cima do caminhão, uma mulher gritava mais alto do que as tais músicas: Eu abençôo esta praça, Eu abençôo estes jovens. E assim, como a própria divindade da fé ingênua e singela daquele povo, ela seguia, aos berros, abençoando isso e aquilo.

Olhando aquele movimento todo, tirando o lapso de tempo e costumes, guardadas certas proporções, pensei: aquela gente nada difere da que seguiu Antônio Conselheiro no final do século XIX...

Noite não muito bem dormida. Marta acordou cedo e fiquei surpreso com a pressa dela em pegar estrada. Nem café preto havia na pousada. Bom, diária de R$40,00... Acho que foi a primeira vez que começamos uma jornada antes das seis e meia. Marta sentia o cheiro de casa...

Depois de 150km de estrada reta com muitos caminhões na pista, e cabritos no acostamento, chegamos a Euclides da Cunha, onde paramos para abastecer e tomar café da manhã no mesmo posto/hotel que ficamos na ida. Aproveitei para sacar uns trocados no caixa automático da loja de conveniência.

Viajamos com pouco dinheiro em espécie, entre 300 e 600 reais na carteira. A maioria dos pagamentos foi feita através do cartão, no crédito, o que depois facilita a contabilidade das despesas da viagem. Marta ficava com uma reserva estratégica de uns 500 contos.

Combinei com Marta que entraria em Canudos Velha, vilarejo que restou da cidade de Canudos, que ficou submersa depois da construção do açude Cocorobó. O sertão virou mar! Queria fazer o que não fiz em 2012, ao passar naquela região na volta da viagem ao Pico da Bandeira. Queria conhecer um Sr conhecido como Seu Manoel Travessa.

Após 62km de Euclides da Cunha chegamos ao entrocamento que leva à nova Canudos, cidade construída para substituir a outra, que foi inundada. Obtive informações de que o Sr Manoel estaria em casa, na Canudos Velha, entrando à direita 12km estrada em frente.

Entramos numa estrada abandonada com muitos buracos e pedras soltas, ladeada por vegetação esturricada típica da caatinga. Rodamos por cerca de 5km e chegamos no vilarejo plantado sobre solo pedregoso, onde se destacava uma praça com uma pequena igreja, ao lado desta, uma construção de pedra e uma escola pequena. No centro da praça, um monumento ao Conselheiro. A casa do Seu Manoel Travessa fica logo após e, em volta, mais umas duas dezenas de casas, tendo ao fundo as águas do Cocorobó.

A esposa nos convidou a entrar e seu Manoel veio dos fundos da casa nos receber. Muito hospitaleiros, nos ofereceram água, café e uma excelente conversa sobre a Guerra de Canudos, sobre seus familiares, sua carreira política (foi vereador) e a situação do momento eleitoral que vivia o nosso país.

O Seu Manoel contou que seus avós consideravam Antônio Conselheiro um espécie de santo ou profeta. Não viviam no arraial de Canudos, mas tinham muito parentes que lá viviam, e que depois das guerras... nunca mais os viram. Todos tinham muito medo de soldados e acreditavam que um dia o rei voltaria, pois república não era coisa de deus. Na adolescência, Seu Manoel perambulou por aquelas matas e guardava tudo o que achava. Nunca leu Os Sertões, mas já ouviu falar em Euclides da Cunha. Lembra muito bem, e com orgulho, da visita que Mário Vargas Llosa fez à casa dele, quando o prêmio Nobel de Literatura esteve na região pesquisando para escrever A Guerra do Fim do Mundo.

Sua filha nos levou para conhecer o museu que Seu Manoel mantém, na pequena construção de pedra, ao lado da igreja.

Dentro do único e pequeno espaço do museu, há objetos que foram sendo encontrados na zona da guerra e reunidos ali pelo Seu Manoel. Objetos do quotidiano, panelas, talheres, rudimentares máquinas de costura, potes de barro, etc. Mas também havia equipamento de montaria militar, projéteis de canhões e de armas leves como metralhadoras e fuzis, além de baionetas e punhais, muitos punhais. Fiquei imaginando quantas degolas e quanto sangue não fizeram correr aquelas lâminas.

De volta à casa do Seu Manoel Travessa, pedi que ele me autografasse uma dedicatória para pregar no meu exemplar de Os Sertões. Despedimo-nos agradecidos, prometendo contato, e seguimos para estrada. Foi uma hora de parada que muito enriqueceu a viagem.

Na mesma reta, com o mesmo movimento, e a mesma atenção com os cabritos na rodovia, mais 160km e paramos em Ibó, para abastecimento e descanso.

A partir dos 150 a 175km o marcador de combustível da moto marcava meio tanque – eu sabia que tinha menos. A partir dos 200 a 220km o marcador entrava no range de reserva – eu sabia que tinha mais.

A propósito, costumo abastecer minha motocicleta com gasolina aditivada. Todavia, em postos que suponho pouco movimento de veículos à gasolina, prefiro abastecer com gasolina comum mesmo, pois imagino que esta seja mais nova do que a eventual aditivada existente nos tanques dos postos.

Depois de encher o tanque em Ibó, ao me aproximar da estrada, percebi, ainda a uma certa distância, a aproximação de uma camionete da Polícia Rodoviária Federal, trafegando na mesma direção que eu iria tomar. Mudei o rumo, discretamente, e retornei ao posto manobrando de frente para a camionete que passava. Os frentistas estranharam e eu disse que havia esquecido de dizer tchau. Eu que não ia entrar na estrada bem na frente da polícia com a placa da moto do jeito que estava...

Cruzamos o São Francisco com suas águas verdejantes e “tichau” Bahia. Percorremos os 92km de Pernambuco e estávamos de volta ao Ceará. Sob forte calor e vento lateral, que parecia sair de uma fornalha, paramos em Jatí para gasolina, água e sorvete. Eita Ceará quente da peste. Pouco adiantava se molhar, o vento quente secava tudo nos primeiros quilômetros.

Outra parada em Jaguaribe, 240 km depois. As muitas armas, e gente de carro forte na entrada da loja de conveniência, afastaram-me da água e do sorvete. Só a moto ganhou gasolina. Entardecia e o calor pouco abrandava.

Mais 150km, paramos em Russas. Café, água, gasolina, cigarro e dois tões de prosa com um povo do posto serviram de descanso. O calor e o vento tornam a viagem mais cansativa.

Seguimos mais cerca de 12km, pela BR 116, até o entroncamento com a CE 263. Escurecia quando entramos nesta estrada de pouco movimento, que faz um atalho de 70km até Aracati.

Era perto das sete da noite, quando estacionei na lanchonete do posto em que costumo parar sempre que vou para nossa casa na praia da Peroba, em Icapuí. Café grátis e gasolina paga. Motociclistas de Harley e Shadow puxaram conversa. Eram amigos de amigos nossos, que logo estariam chegando àquele posto. Vamos logo embora, antes que eles cheguem, que eu prometi à Marta estar em casa (a da praia) antes das oito da noite!

Em solo mais que conhecido, um pouco de BR 304 (30km), à esquerda um pouco de CE 261 (10km), mais uma quebrada para esquerda numa estrada sem nome (6km), praia de Redonda e mais um pouquinho nossos cachorros Billy Paulo, Preta Pretinha e Obama Barak estavam saltitando em volta da moto, comemorando nossa chegada.

Luiz Almeida


P.S. Dia seguinte, na quinta feira, Marta escorregou no gramado da casa da Peroba e fraturou quatro ossos do pé.

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