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BR 116 de Cabo a Rabo


Estava curtindo meu domingo ao som de Carmen, de Bizet, tendo Julia Mijenes e Plácido Domingo como principais cantores, regando a boca com uma boa cerveja quando o telefone tocou. Era meu amigo Jota, de Belo Horizonte, entre outros assuntos, perguntou se eu não me animava ir a Pitanga, interior do Paraná, para comparecer a uma tradicional festa com o pessoal do M@D, fórum de motociclistas que participo a mais de década.

Era meados de março e meu pedido de aposentadoria já estava feito. Tinha ideia de comemorar fazendo uma viagem sem data certa para voltar. Não é meu costume viajar em maio, mas a festa, o Acampitanga, seria no feriado de Corpus Christi.

Animei, sim. E mais ainda quando disseram que o clima outonal de maio é semelhante ao de setembro, primavera, quando costumo viajar sem muito frio ou chuvas.

Uns dias em BH, depois junto com o Jota, Serra do Rio do Rastro e Pitanga. Era a programação. Só programei a viagem até BH, de lá, juntamente com o Jota e o Fernando Lamas, que iria com a mulher na garupa, veríamos qual roteiro faríamos.

Porém, em algum cantinho na minha cabeça aventava a possibilidade de fazer a BR 116 do começo, Fortaleza, ao fim, em Jaguarão, RS, fronteira com o Uruguai. Seria realizar o Desafio Rodoviário, dos Fazedores de Chuva. Uma possibilidade...

Aos 50 mil quilômetros, revisei a moto, uma BMW R 1200 GS ano 2008 que tenho desde 2013, desde os seus 25 mil km. Revisão personalizada e criteriosa com direito a reaperto geral feita pelo amigo Professor Maurício, que atende em sua residência.

Parti no dia nove de maio com o odômetro total marcando 51 106km. Isso porque semanas antes fiz um passeio pelo Piauí, Cachoeira do Urubu. Os pneus deveriam aguentar a viagem, pois estavam com apenas uns 3 mil km rodados.

Fortaleza a Feira de Santana, 1080 km de estrada quente, quase uma reta só e sem muita coisa para ver. Saí às cinco da madrugada. O pouco de chuva e os trinta e tantos km de estrada molhada me deixaram feliz por estar com uma motocicleta que usa eixo cardã em vez de corrente na transmissão de força para a roda. Se corrente fosse, toda a limpeza e lubrificação teriam ido para o ralo naquele comecinho de viagem...

Diante da possibilidade do Fazedores de Chuva, fotografei todas as divisas entre Estados.

Em Feira de Santana, já no hotel Cavalo Dourado, saí para tentar matar a fome do dia todo sem comer. Fui ignorado em um tal restaurante da Japonesa, atravessei a rua e, numa pizzaria, cujo estoque de cerveja consistia numa lata de Skol, apesar de existir azeite de oliva, o cara me trouxe óleo Maria para regar a apenas comestível pizza que pedi.

Para coroar tudo, atravessei a rua para uma outra esquina, fui numa farmácia comprar hidratante para melecar a cara ressecada pelo inclemente sol do dia e só no hotel percebi que o feladaputa tinha me vendido uma gororoba qualquer para pentear o cabelo!

No segundo dia, dez de maio, temendo bloqueios na estrada por conta de manifestações de descontentes com o afastamento do poste, digo, da presidente, saí de Feira de Santana e, já escuro, cheguei a Governador Valadares, onde alguns bons amigos me esperavam para colocar a conversa em dia. Farra boa que foi até depois de meia noite.


A paisagem ficou mais interessante e o grande movimento de caminhões quebrou a monotonia do dia anterior. Foram 929,2 km de estrada.

Seguindo a valiosa sugestão do amigo Carlos Salgado, de Governador Valadares, rumei para o Santuário do Caraça, via BR 381 e dela saindo pouco depois de João Monlevade, momento em que esta BR fica infernal.

Muito bacana o Santuário do Caraça. Recomendo a visita, independente de fé ou religião.

Fiquei até tarde da noite tentando fotografar um lobo Guará que costuma aparecer para se alimentar as sobras do jantar que um padre oferece. Passei um frio danado, numa posição incômoda para fazer a foto e o bicho não apareceu!

Dia seguinte, quinta feira, segui sem pressa para BH. Pancada de chuva em Catas Altas. Fui pela estrada que faz um contorno pelas cidades históricas como Mariana e Ouro Preto, estrada sinuosa, molhada e escorregadia, com tráfego dos pesados caminhões das mineradoras.

Devagar, cheguei a ter em alguns pontos, a visão do estrago feito pelo arrombamento de uma barragem da mineradora Samarco. A tragédia é mais feia e real do que quando se vê na televisão.

A moto, que vinha fazendo entre 14 e 16 km por litro, em Minas passou a ter um consumo na faixa dos 18 km por litro. Seria gasolina melhor?

Em BH cheguei com certa facilidade ao apartamento do Jota. Encontrei-o com a panturrilha direita enfaixada, semi-imobilizado. Rompeu a musculatura colocando sua DL 650 XT no cavalete central... Mas ele achava que poderia viajar. O Lamas, que participou ativamente da programação pós BH, aboxonou-se por uma XLV 1000 e foi comprar a moto em Natal, desistindo de viajar conosco.

Depois de alguns dias em Belo Horizonte, conhecendo amigos Brazil Riders no Bar do Edinho e revendo grandes amigos “m@dianos” de BH, com direito a conversas que duraram até o raiar do sol, no domingo, dia 15 de maio, deixando meu incerto parceiro de viagem na esperança de liberação médica na segunda feira, saí de BH com a agradável temperatura de 16 graus centígrados e fui a Capitólio, nas margens da Represa de Furnas, o Mar de Minas Gerais.

Entrei em Capitólio e parei em um posto em busca de informações. Liguei para alguns contatos e um deles perguntou se passei pela ponte. Não entendi direito e disse que passei, sim, por uma pequena ponte na entrada da cidade... Era outra ponte que ele se referia, na estrada mesmo, uns 20 km adiante. Mas como ele não era de Capitólio, agradeci e busquei informações com um motoqueiro que me indicou um rumo.

Para chegar na Pousada Mar de Minas era preciso rodar cerca de 12km em estrada de terra, tudo bem para isso tenho a 1200 GS. O chato era ficar meio que isolado sem serviço de restaurante, dependendo de sanduíches.

Dia seguinte amanheceu chuvoso e eu temia o cancelamento do passeio de lancha pela represa, seus cânions e suas cachoeiras. Felizmente deu certo, havia gente sem medo de chuva e a lancha, depois de buscar três casais em outro hotel, foi me pegar na pousada. Começamos a navegação usando capas de chuva, mas o tempo melhorou e o passeio foi muito bom, rendendo boas fotos. Valeu a pena!

Depois do passeio, lá pelas três da tarde, peguei a moto e fui almoçar na cidade. Bar Central. Lugar tradicional, boa conversa com o dono e garçons e ótima comida mineira – lombinho, tutu, arroz, couve e torresmos.

Pernoitei na expectativa de me encontrar com o Jota na estrada para cumprirmos a rota programada...

Ao receber a informação de Jota que, por ordem médica ele só poderia rodar 250 km por dia, e isso me forçaria a um terceiro pernoite em Capitólio, percebi que seria impossível viajarmos juntos.

Desisti de Ribeirão Preto e do famoso Chopp do Pinguim, rumei para Sorocaba, onde reside um amigão, via MG 050, pedagiada, mas sem nenhum atributo para tal.

Ao contornar São Sebastião do Paraíso fui vítima de uma armadilha policial e ganhei uma bela multa por ultrapassar em faixa contínua.

O lugar tem visibilidade total por alguns quilômetros – longa descida e subida sem escolas, hospitais ou qualquer coisa que justificasse a dupla faixa contínua. Havia uma lombada física e uma kombi caindo aos pedaços passando por ela quase parada. Mal fui para o outro lado da pista... porém... numa bifurcação mais à frente havia um carro da polícia rodoviária mineira escondido e dois policiais também escondidos fazendo a arrecadação.

O soldado sinalizou para eu entrar na bifurcação. Recusei informando que meu caminho era em frente. Pediu documentos e informou que eu havia cometido uma infração. Depois de alegar que a kombi era que não deveria está rodando naquela condição, não mais discuti. Assinei a porcaria da multa e segui meu rumo.

Vou abrir um parêntese sobre o assunto, sem questionar o mérito e sim o método:


Quantas vezes, meus caros, na estrada testemunhamos ultrapassagens perigosíssimas, caminhões ou automóveis fazendo ultrapassagens às cegas no alto de uma subida ou em curvas, podendo provocar – e como provocam! – as tragédias que depois nos chocam no noticiário nacional? Quantas dessas tragédias poderiam ser evitadas caso houvesse um carro de polícia postado ostensivamente nesses locais críticos?

Era o que eu me perguntava dentro do capacete. Mas não, os malandros estavam, como ratazanas, escondidos em um lugar que não oferecia riscos.

É toda uma linha de comando, da autoridade do soldado raso que multa escondido, ao comandante dele, ao governador, aos políticos em todos os níveis e chefetes em geral que fazem com que este país não tenha futuro.

Em milhares de quilômetros de estrada, o único lugar que vi um carro de polícia evitando acidentes e mortes foi no Paraná, na BR 277, na volta de Pitanga, entre Guarapuava e Irati. Viatura da Polícia Rodoviária do Paraná colocada para ser vista, no alto de uma ladeira e com as luzes do giroflex ligadas.


Voltemos.

Entrei no Estado de São Paulo na região de Mococa, rodovia SP 340 (não havia placa de divisa de estado), e o mundo mudou. Rodovia duplicada de asfalto perfeito e ótima sinalização, com velocidade máxima de 110 km/h. Detalhe, as motocicletas eram isentas de pedágio.

Contornei a imensa Metrópole que hoje é Campinas e cidades próximas. Não custa lembrar que tudo em São Paulo é superlativo. Parei para abastecer a moto e checar se estava no rumo correto.

Em Sorocaba fui recebido pelo amigo Manga, um dos maiores viajantes de motocicleta que conheço, cuja visita deixei de fazer no ano anterior. Obrigado por tudo, Manga, você é uma pessoa digna de admiração!

Imaginando que o frio e a chuva poderiam aparecer doravante, coloquei as forrações internas da roupa de viagem, que protegem do frio e de um pouco de chuva.

De Sorocaba fui em direção a rodovia SP 079, e ao começar a descida da Serra de Paranapiacaba a chuva me encontrou na estrada. Rodei um pouco debaixo de chuva e estrada muito empoçada, até que na região de Piedade encontrei um posto para abastecer a moto e colocar a roupa de chuva.

A descida entre Piedade, Tapiraí e Juquiá foi toda debaixo de chuva, neblina e frio, além das mil curvas da estrada. Porém, depois da serra, ao alcançar BR 116 em Juquiá, litoral Sul de São Paulo, na famigerada rodovia Régis Bittencourt, logo estiou e segui viagem a seco, entre enormes e velozes caminhões.

A motocicleta, não sei se devido à chuva ou ao frio, ficou com a marcha lenta instável, o motor vez por outra apagava nos pedágios. Um pouco de friagem, hidrofobia talvez...

Depois da Régis Bittencourt, pagar pedágio em estrada comum, boa, mas de pista simples, é de ficar revoltado.

Contornei Curitiba, a estrada voltou a ter pista simples. Parei em algumas interdições por conta de obras na estrada e, ao por do sol cheguei a Santa Cecília. Buscava um hotel quando seu Otavir, dono do Hotel Modelo, como um flanelinha, me convidou para pernoitar informando que havia garagem fechada para a moto.

Fiquei a pensar, onde no Nordeste um dono de hotel ficaria na rua, no frio, buscando clientes para seu estabelecimento? O comum aqui é o cabra ficar numa poltrona contando dinheiro e dando ordens a empregados mal treinados.

Fazia um frio danado e recusei de imediato a oferta de apartamento com ar condicionado... Para cearense ar condicionado é para refrescar e eu não precisava mais de frio do que já sentia. Depois percebi a minha burrada, não iria ficar o tempo todo debaixo das cobertas. Retornei à recepção e pedi apartamento com ar condicionado, que no Sul funciona como aquecedor.

Neste pernoite, como eu nada havia planejado para depois de BH, estava desorientado sobre as datas do aniversário do Roger e do Acampitanga e por quais estradas deveria seguir. Pedi aos amigos M@dianos, via wat-app, que me ajudassem a entrar em sincronia.

Maravilha, logo recebi mensagens com as datas e os respectivos mapas. Entrei facilmente em sincronia e senti que poderia fazer tudo que até então era apenas uma possibilidade – BR 116 de cabo a rabo.

A jornada do dia, entre Sorocaba e Santa Cecília foi de 599,6 km.
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Comecei o trecho entre Santa Cecília e Porto Alegre via BR 116 sob 2 graus de temperatura e muita neblina na estrada. Um dos dias de maiores belezas na estrada.

Araucárias translúcidas pela cerração matinal contra a luz do sol.


Tive que manter a viseira do capacete aberta porque fechada ela rapidamente embaçava por dentro. Sem gostar de usar bala-clava (havia uma na bagagem...), o jeito foi suportar o vento gélido na cara e o nariz gotejante por conta da condensação do ar.


Cada casa na beira da estrada, isoladas ou em pequenas vilas, todas soltavam fumaça pelas chaminés. Na maioria casas de madeira com seus fogões à lenha servindo de aquecedores. Cenário bem diferente para um cearense.


Foi o dia em que gastei mais as laterais do que o centro dos pneus. Eram serras a mais serras. Milhares e infindáveis curvas subindo e descendo.

Ultrapassagens, digamos, adrenalinosas!

Rios em cascatas e em corredeiras.

Exuberante mata nas margens da estrada muitas vezes formando túneis com o entrelaçamento das copas.

As folhas outonais dos plátanos, que vez por outra flutuavam diante de mim na estrada, em arbóreo túnel, refletiam a luz do sol em cores que me lembravam pinceladas de Gauguin.

Passei por cidades, como Picada Café (que pelas placas pensei ser uma cafeteria...), em que vi belas casas sem muros, só um verde gramado em torno delas.

Foi um dia muito frio, mas sem notícia de chuva.

Pilotagem sem sustos. Quer dizer...

O susto foi quando parei logo depois de uma ponte, creio que sobre o Rio das Antas, entre São Marcos e Caxias do Sul.

Larguei a moto no que pode ter sido um mirante e voltei a pé para fotografar o rio que passava lá muito embaixo. A mureta de proteção era baixa e acostamento inexistente. Eu no meio da ponte quando de repente surgiu uma enorme carreta com dezenas de rodas bem na mão em que eu estava. Fiquei espremido no pequeno espaço que me restou, quase debruçado na mureta, paralisado, torcendo para que naqueles segundos nenhum dos muitos pneus me derrubasse no abismo.

A ponte balançou? Não sei. O caminhão não se afastou um pouco? Também não sei...


Dia de 460 km de puro prazer. Cheguei a Porto Alegre por volta da 14:30h, onde fui recebido pelo meu amigo Gilberto, que apesar de apenas nos conhecermos virtualmente, parecia que já nos encontrávamos pessoalmente por longas datas.


Gilberto, dizendo que hotel ou pousada na região era coisa complicada, me levou ao apartamento dele e à noite fizemos uma pequena farra com uns assados regados a cerveja na companhia do, também m@diano, Diovani.


Orientado pelo Gilberto, saí de Porto Alegre por volta das oito da manhã, neblina reduzindo a visibilidade, com tempo frio e nublado, mas sem chuva.

Fiquei um pouco desorientado em alguns viadutos, mas não demorei a voltar para o caminho certo.

Ao abastecer em Eldorado do Sul o frentista me alertou que a previsão era de chuva no rumo que eu ia. Resolvi ir até Pelotas sem colocar o equipamento de chuva.


Pedágio de mais de seis reais para motocicletas! A diferença era que nos dois postos de pedágio seguintes moto não pagava.

Ao parar neste primeiro pedágio, gelei de susto. Não encontrei minha carteira na pochete. Meu primeiro pensamento foi que a havia deixado cair na parada de abastecimento. Putz!

Falei para a moça do pedágio que havia perdido a carteira. Felizmente logo a encontrei em um bolso da roupa de viagem. Não sei o que aconteceu para eu tê-la mudado de lugar...

Estrada boa, quase um retão, com alagados e arrozais à esquerda e belas pastagens à direita. Gado bonito de ser ver, raça Hereford.


Em Pelotas, ao parar para abastecer, mesmo sem perceber chuva iminente, resolvi vestir o equipamento para chuva para evitar o sufoco de ter o trabalhão de vestir aquele trambolho em um acostamento. Não choveu!


Cheguei a Jaguarão antes das três da tarde e fui direto para a cabeceira da ponte internacional que liga o Brasil ao Uruguai, o final, portanto, da BR 116.


Postei minha localização no wat-app do grupo e logo meu amigo Carlos ( Chalbuque) veio ao meu encontro. Carlos tornou muito agradável a estadia em Jaguarão, com direito a city tour e lauto jantar no Uruguai.


Saí de Jaguarão de manhã cedo, pelas oito, retornando pela tranquila BR 116 até Pelotas, de lá entrei na estrada à esquerda, BR 392, e pilotei sob forte neblina e pesado tráfego de caminhões até uns 30 km depois da região de Canguçu. Tive que pilotar mais rápido do que considerava seguro naquelas condições. Caso contrário os caminhões me ultrapassariam e tudo ficaria ainda pior.

Depois, ao entrar à direita, na BR 471, já com tempo bom e céu azul, curti muito pilotar na região das Coxilhas, passando por Encruzilhada do Sul até Santa Cruz do Sul, onde havia festa de aniversário de um grande amigo, o Roger Reubben.

Pilotar uma motocicleta na zona rural do Rio Grande do Sul é um prazer à parte. Fiz inúmeras fotos mentais. Pessoas, relevo, vegetação, animais, casas e abrigos para ônibus. Tudo era bacana, tudo era diferente.

Em Santa Cruz do Sul, cidade cuja entrada lembra a lavoura de tabaco, Sousa Cruz e cigarros, parei em um posto dentro da cidade, informei minha localização aos amigos e logo fui resgatado pelo Roger e pelo Gilberto. Creiam, cheguei pouco depois das uma da tarde e um tal chopp especial já havia acabado! Hehehe. Mas havia fartura de cerveja de boa qualidade!

Havia uma multidão de amigos na entrada da casa do Roger, amigos daqueles de década de conversa sem contato pessoal. Foi bom demais ser recebido por essa tropa de gente boa.

Mal entrei na casa e vi um sujeito que me informaram ser o Bagé, meu virtual “desafeto” no fórum. Eu que o imaginava um menino gordo e arrogante de uns trinta e poucos anos, o encontrei simpático, igual a todos na alegria e na conversa. Dirigi-me a ele dizendo: mas você é um velho, hein? Nos demos um forte abraço, fizeram fotos de nós dois juntos e tive a confirmação do que os outros amigos diziam: Ele é gente muito boa, o defeito é fazer personagem no fórum. Foi um dos momentos pessoais mais gratificantes da viagem.

Foi um dia animadíssimo, muita conversa, cerveja farta e abundante churrasco de primeira qualidade comandado pelo Diovani e pelo Gilberto. Difícil descrever a alegria que tive neste dia.

Ainda tive a deferência de ficar hospedado na casa dos anfitriões. Roger e Giselda não me deixaram ir para o hotel onde a turma estava.

Santa Cruz do Sul, com 130 mil habitantes, foi uma das mais simpáticas cidades que conheci nesta viagem. Ruas largas, bem arborizadas chegando a formar túneis nas ruas do centro, belas e amplas praças, comércio movimentado, belíssima catedral no estilo neogótico e tudo muito limpo. A propósito, Santa Cruz do Sul tem Oktoberfest que só perde para Munique e Blumenau. Além de sediar etapa do brasileiro de Stock Car.


Dia seguinte, após ser guiado pelo Roger até a estrada, logo começou a cair uma leve, mas insistente chuva e confusas encruzilhadas que me fizeram cometer alguns erros de rota.

Passei por Garibaldi, Farroupilha e, ao chegar na região de Caxias do Sul, comecei a descer para a BR 101 via RS 453, denominada Rota do Sol. Bela estrada! Muitas curvas, mata original preservada, dois túneis e diversos viadutos, além da visão das imponentes escarpas nos contrafortes da Serra Geral.

Meu rumo seria Florianópolis... Mas ao chegar a Tainhas havia uma rotatória indicando Cambará do Sul e São José dos Ausentes e este rumo me atraiu como se fosse um torrão de açúcar perto de um formigueiro. Eu até já tinha a informação de que o acesso a São José dos Ausentes não era bom. Torrões de açúcar...


De Santa Cruz do Sul a Cambará do Sul, , rodei apenas 320 km. Em um posto, fui informado que os 45 km de estrada não pavimentada até São José dos Ausentes estava praticamente intransitável por conta das chuvas. Ruim até para carros 4X4.

Longe de casa, sozinho e com a moto pesada fizeram o juízo superar a simples vontade e pernoitei em Cambará. Pedi indicação de pousada. Pousada Simone, com a moto quase na porta do quarto que era térreo.

O maior frio de toda a viagem. Durante passeio a pé pela cidade, por volta das quatro da tarde, registrei no termômetro da praça da igreja 3 e 2 graus. Em uma lanchonete fui pegar uma cerveja na geladeira e ela parecia menos fria do que fora.

Levei para a pousada cerveja, alguns salgadinhos e chocolates. Foram minha única refeição no dia. Bebericar uma cerveja ou pitar um cigarrinho fora do apartamento, ao lado da moto, era ficar tiritando de frio. Bebi e fumei e entrei em contato com amigos via redes sociais, trancado dentro do banheiro, para não empestear o recinto de dormir. Felizmente havia colchão térmico.

Saí no dia seguinte, segunda feira, dia 23, com temperatura de 2 graus negativos! O aquecedor de punho da moto, raramente utilizado e agora utilíssimo, parecia não funcionar, apesar de regulado no nível máximo. Voltei para a RS 453 rumo ao litoral e segui pela 101 rumo a Floripa.

Acontece que o tempo melhorou e, com dia claro, mudei o rumo e resolvi subir a Serra do Rio do Rastro. Saí da BR 101 em Morro da Fumaça, passei por Urussanga, Orleans, Lauro Miller e entrei na SC 390, o tempo todo tendo como pano de fundo a portentosa serra.

Interessante as placas informando há quanto tempo não havia acidentes fatais na estrada e solicitando ao usuário colaboração para melhorar o índice.

Subi a serra curtindo cada metro daquelas curvas, cada olhada para a paisagem que me cercava. Parei para fotografar sempre que havia mirantes. Bela visão das escarpas e dos abismos. Realmente, é uma estrada para ficar na memória.

No mirante do alto da serra, em Bom Jardim da Serra, com muitos interesseiros quatis, uma tímida raposa prateada chegou perto da moto e logo se afastou. Ventava muito e a friagem era cortante.

Sem saber muito o que fazer a partir dali, um motociclista que também curtia o lugar me recomendou segui para Urubici, que eu certamente iria gostar do lugar.

Foi o que fiz. 80 km de estrada de rara beleza, boas curvas, bucólicas paisagens típicas e uma placa alertando possibilidade de gelo na pista, que eu nunca havia passado por uma e quando a notei já tinha ficado para trás. Esperei outra e até Urubici nada...

Parei no mirante onde se tem visão de Uribici, plantada sobre um verdejante vale.

Enquanto fazia algumas fotos chegaram três motociclistas montados em BMW R 1200 R Adventure, belas e novíssimas. Todos de São Paulo. trocamos algumas palavras e, quando um deles viu minha placa de Fortaleza, disse que jamais uma viagem tão grande. Falei que já estava voltando, que tinha ido até o Uruguai. Não, repetiu o camarada, nunca faria uma viagem tão longa. Ir ao Nordeste de moto?, nem pensar.

Diante disso perguntei: e por que você comprou este modelo de motocicleta? Porque aparece mais, foi a resposta que recebi. Então tá...

Ao chegar a Urubici, pelas quatro da tarde e depois de 400 km de estrada, parei em um simpático e exótico posto temático com restaurante e loja, posto Serra Azul. Para entrar passa-se por um carrão antigo cujo interior também é o caixa. Fui muito bem atendido, recebi informações sobre pousadas e fiz minha primeira refeição depois do café da manhã, uma mini pizza de filet. Havia uma geladeira só com cervejas especiais.

Rodei até quase o final da cidade para chegar na pousada cujo dono era Marquinhos, motociclista e recomendada pelo Pablo. Havia umas cinco motocicletas no estacionamento. Atendimento frio e, ao saber que eu não havia feito reserva, não podiam me atender. Beleza, voltei direto para a pousada recomendada pelo camarada barbudo do posto, Recanto da Serra, de onde não mais precisaria da motocicleta para voltar lá. A geladeira com cervejas especiais...

Devidamente hospedado e bem instalado em bom apartamento equipado com colchão térmico, no começo da noite sai a pé de volta ao posto. Vestia apenas calça jeans, camiseta grossa de mangas longas, crocs nos pés e a segunda pele como cachecol.

No Posto Serra Azul há um ambiente aquecido e outro, um terraço envidraçado de onde se vê o movimento da rua. Fiquei no terraço curtindo o frio, para desespero da moça que me atendia. -Olha, cearense tem direito a curtir um frio vez por outra, se a friagem começar me incomodar eu irei para a parte aquecida, disse para tirar a preocupação dela.

Curti a boa companhia de mim mesmo degustando duas IPAs fortes e com equilibrado teor de amargor. Depois, um belo e farto caldo de carne com legumes para sustentar o esqueleto.

Terça feira, 24 de maio.

A forte neblina do amanhecer me desencorajou ir até o Morro da Igreja e a qualquer outro passeio por perto. Assim sendo resolvi, finalmente, ir para Florianópolis. Eram apenas 160 km, 25 km de SC 430 e o restante pela BR 282.

Quase nove horas da manhã. Aquecer o motor da moto naquela neblina e frio gerou um vapor que quase encobriu tudo em volta dela.

Mais uma bela estrada com muitas paisagens típicas, araucárias, pequenos lagos, montanhas e bela vegetação. Muitas vezes tive vontade da parar para fotografar, mas desistia quando via fios elétricos que depois iriam aparecer estragando a foto.

Mas encontrei uma placa de Gelo na Pista, e esta não deixei escapar da minha lente.

No meu telefone, havia uma mensagem do Neco Virnei que, entre outras coisas, informava que me aguardaria na primeira rotatória da entrada da Região Metropolitana de Florianópolis, prevendo que eu chegaria às onze horas. Essa parte eu não li e passei direto, sem vê-lo gesticular e gritar por mim... Só parei muito à frente, em um posto, aonde o amigo veio me resgatar.

Que pousada nada! Você vai para minha casa, disse o Neco. Foi ótima a convivência com a animada e simpaticíssima família, Neco, Meire, Luiza, a filha, e seu marido.

Aproveitei para trocar o óleo da moto, numa revenda Yamaha e Multimarcas onde fui muito bem atendido pelo chefe Paninho e um competente mecânico com jeitão alemão. Até foi aberta exceção para que eu entrasse na oficina para acompanhar parte do serviço.

Na revenda tive o prazer de conversar com muitos motociclistas que conhecia de ouvir falar e muitos deles com diversos amigos em comum. Outra alegria foi o Vantuir Boppré ter ido me conhecer pessoalmente para uma boa e divertida conversa.

O estranho foi o preço do óleo, comprado em outra loja. R$38,50 o litro de Motul 3000, que aqui em Fortaleza compro por 25 contos.

Depois fomos a um boteco mototemático, o Rota 66, onde ficamos a jogar conversa fora com amigos até às onze da noite.

Dia seguinte acompanhei o Neco em suas tribulações do dia, almoçamos no Norte da Ilha, à sombra das amendoeiras e com vista para o calmo mar, uma bela tainha grelhada. Mas o que me surpreendeu foram as deliciosas ostras no bafo. Assim que arrumar ostras por aqui vou tentar fazer parecido. Ah, o que estragou a conta foram as Heineken a R$13,50 a garrafa de 600 ml. Bem que o Neco falou que tudo é caro na Ilha. E no continente também!

Nessa brincadeira rodei nada mais nada menos do que 130 km na Região Metropolitana de Florianópolis. A BR 101 nessa região é perigosíssima. É usada como avenida para quem vai e volta do trabalho, se misturando ao pesado tráfego de caminhões na estrada. Fui informado de que ali se registra o maior índice de acidentes em toda a extensão da BR.

À noite, véspera de viagem, na casa do casal anfitrião, curtimos ótimas pizzas com algumas boas cervejas para não esquecer a hidratação, em agradável bate papo com a família em torno da mesa.

Depois das duas noites em Floripa, segui para Pitanga, PR, agora juntamente com Neco e Meire, na XT 660, e com os irmãos André e Ander, com NC 700 e CB 500, respectivamente. Onde aconteceria uma grande festa dos amigos do Fórum M@D, razão primeva da viagem.

Hora de sair: 08:00h. Previsão de chegada a Pitanga: 16:00h, segundo o Neco.

Muito bacana a BR 101 beirando o mar. Vez por outra se vê uma mistura de vila de pescadores misturada com arranha-céus, certamente de apartamentos para veraneio. Estranha mistura causada pela tal e avassaladora especulação imobiliária.

Paramos para o lanche matinal em um lugar grande, onde o restaurante é aparentemente sustentado por uma enorme raiz que fica do meio para o alto do teto. Bela arquitetura rústica.

Ao longe, Balneário Camboriú parece um paliteiro de tantos altos edifícios lá espetados. Conheci Camboriú no anos 70, quando era apenas uma cidadezinha de beira de praia.

A BR 101 é interrompida em Garuva, começa a BR 376 que faz a subida da serra.

Muito bacana a subida de serra para Curitiba. Estrada larga e bem cuidada. Cheiro de fumaça no ar. Eram dezenas de barraquinhas vendendo e cozinhando pinhões. Um tarugo de madeira no meio da pista, certamente caído de um caminhão, me deixou alerta.

Três “jaspions” em suas motos super esportivas me ultrapassaram bem de perto e ruidosamente. Decidi, por provocação mesmo, acompanhá-los em algumas curvas até que eles, certamente temendo ser ultrapassados por uma big trail, se entranharam entre as carrocerias de três caminhões emparelhados, um deles quase se matando no acostamento. Soltei a mão. Brincar de kamikase não é comigo.

Paramos para abastecimento e lanche em Irati, BR 277. Posto bacana, com restaurante, boa loja de conveniência e um gigantesco triciclo enfeitando a área de manobras do lugar. Estrada boa, simples e com injustificável pedágio de R$4,80 para motocicletas.

Não cheguei a ver, mas parece que a pecuária da Região contempla a suinocultura prioritariamente. Era terrível o mau cheiro que invadia o capacete quando ultrapassávamos os caminhões que transportavam porcos.

Havia forte ameaça de chuva logo à frente, quando chegamos à Guarapuava. Neco sugeriu parada para colocarmos o equipamento para chuva. Consultei meu mapa na mala de tanque e avisei que a chuva era em frente, e que nós iríamos entrar à direita logo em seguida, na BR 466. Dito e feito, escapamos da chuva por questão de minutos.

Entramos em Pitanga na hora prevista pelo Neco, quatro da tarde. Na garagem do Hotel Querência já havia mais de trinta motocicletas. Finalmente reencontrei Jota. Meu amigo mineiro deve ter passado uma semana para chegar... Foram 640 km de estrada naquele dia.

Na frente do hotel a turma já esvaziava garrafas de cerveja. Reencontrei muitos que estavam na festa de Santa Cruz do Sul e mais outros participantes históricos do M@D que só conhecia de fórum. Bom demais! Noitada em bar perto do hotel com direito a grupo de música típica.

Pitanga é uma pequena cidade do Centro Sul Paranaense, com cerca de 34 mil habitantes e a 952m de altitude, portanto, de clima frio podendo ter temperaturas abaixo de zero. Nossos dias por lá foram chuva fina, porém insistente. Creio que a temperatura ficou sempre abaixo dos 10 graus centígrados.

Ruas largas e em muitos cruzamentos há rotatórias com jardim e chafariz. O interessante é que vi muitos carros antigos rodando. Alguns bem conservados, outros pareciam ter saído de um galinheiro, mas rodando.

A Região recebeu imigrantes ucranianos, poloneses e italianos. Em Pitanga há uma igreja católica com arquitetura ucraniana cuja missa de domingo é celebrada nesta língua.

A sexta feira foi na casa do anfitrião e organizador da festa; Anzolim. Muita conversa, cervejas puro malte e churrasco de primeira.

A propósito, havia uma cerveja especial fabricada artesanalmente pelo Minholi, outro m@diano histórico, que parecia ser milagrosa. Observamos que quando o Jota se apoderava de uma garrafa delas parava de mancar. Desconfiamos que ele tenha escondido algumas garrafas para consumo medicinal...

O sábado foi em um ambiente maior, reservado exclusivamente para a nossa festa. Churrasco de primeira, como sempre. Mais um excelente dia em ótimas companhias.

Com o mesmo grupo que vim de Florianópolis, por volta das nove da manhã de domingo partimos de Pitanga rumo a Curitiba. Chovia e já saímos usando as vestimentas para tal.

Estrada escorregadia, com alguma cerração, e até aquelas mancha coloridas de óleo misturado com água encontramos no asfalto. Mantivemos velocidade cautelosa. Tenso.

Fiz a melhor foto mental do dia, quiçá da viagem; Uma cascata de uns cinco metros de altura despencava em direção a estrada, ladeada no alto por duas belas araucárias típicas do Paraná. Sem fios elétricos para atrapalhar! Porém, chovia e não deu para parar...

Os caminhões carregando porcos continuavam empesteando o ambiente que passavam.

Em Curitiba, já sem chuva, entre fortes abraços e ciscos nos olhos, me despedi dos amigos, que seguiriam para Florianópolis, enquanto eu, voltando a ser um lobo solitário, retornava à BR 116 rumo a Registro, SP.

Comecei a voltar para casa. A moto ronronava com perfeição.

No sentido Sul/Norte a Régis Bittencourt parece ser outra estada. Belíssimas paisagens! Nuvens saindo do chão e indo lamber os pontos mais altos da Serra.

Pernoitei em Registro, Hotel Estoril, recomendado pelo Gilberto, com excelente atendimento. Almocei um belo filé a cavado enquanto o gerente passava e avisava que se mais quisesse era só pedir. Neste dia rodei 590 km.

Fazia um frio gostoso quando saí de manhã cedo de Registro. O tempo estava bom, sem ameaça de chuva.

O objetivo agora era completar a BR 116, já que ficou aquele “hiato” entre Governador Valadares-MG e Juquiá-SP.

Meu dilema era como contornar São Paulo, onde a BR 116 desaparece entre Marginais e Rodo-Anéis, ambos com alto índice de roubo de motocicletas. Um viajante solitário seria presa perfeita para a bandidagem...

Fui aconselhado a ir por Jundiaí, entrar na Anhanguera e depois na Dom Pedro para acessar a Dutra na altura da Jacareí. Considerei que seguindo este rumo ficaria muito tempo fora da BR 116, portanto, arriscando a rodar fora das exigências de homologação do Fazedores de Chuva.

Decidi então fazer o contorno pelo litoral, saindo da Régis Bittencourt no entroncamento com a SP 055, para Pedro de Toledo e retornando à Dutra por Arujá, via Mogi-Bertioga.

Neste caminho revi parte que me foi muito conhecida do Litoral Sul de São Paulo, Peruíbe, Itanhaem, Mongaguá, etc. Parei para abastecer em Praia Grande, onde morei e, emocionado, passei de pé sobre as pedaleiras da moto pela Ponte Pênsil, cujas longas e demoradas filas no tempo em que era a única ligação urbana entre Praia Grande e São Vicente, me fizeram optar por ter a motocicleta como veículo.

Passeei pela orla de São Vicente e Santos curtindo boas lembranças dos meus vinte e poucos anos. Embarquei no Ferry Boat, depois Guarujá e Mogi-Bertioga.

De Guarujá a Bertioga não é mais necessário ir pela balsa, há uma estrada que faz um entorno no pé da serra e chega diretamente na Rio-Santos. Fiquei meio enrolado, desconfiei estar no caminho errado, rumando para Cubatão, mas por fim, entre um retorno e outro acertei o caminho.

Preciso “desxingar” um cara que, em 2014 me indicou esse caminho que, após rodar uns poucos quilômetro, pensei ser errado e o xinguei dentro do capacete ao retornar para a estrada tradicional, via balsa e Perequê. Ele estava certo...

Um deleite a subida da Mogi-Bertioga!

Como é complicado entrar na Dutra por este caminho! Eram tantas pequenas rotatórias sem sinalização que quando coloquei os pneus da moto na Rodovia não sabia se meu rumo era São Paulo ou Rio de Janeiro. Felizmente a primeira placa dirimiu a dúvida e eu estava no rumo certo. Rio de Janeiro!

Logo começou a chover. Aproveitei a parada para abastecimento em Guararema-SP para vestir a roupa de chuva.

A Dutra tem pesado tráfego de caminhões, que é agravado pela grande quantidade de automóveis entre eles. Creio que a maioria dos que estão de automóvel usa a Dutra como avenida entre as cidades do Vale do Paraíba. Automóveis na estrada geralmente são imprevisíveis...

Entardecia quando passei por Barra Mansa e não vi hotel para pernoitar. Tenso, temendo descer a Serra das Araras sem encontrar pousada, parei em um posto em Piraí e perguntei por hotéis. Não souberam informar direito e resolvi pernoitar em um motel nas proximidades do posto. Impensável chegar à Baixada Fluminense à noite. Rodei 573,4 km neste dia.

Nos acanhados aposentos do motel (para pernoite não oferecem a parte, digamos, erótica do estabelecimento), comecei a consultar o mapa e amigos via WhatsApp e Facebook. Estava muito inseguro para que rota seguir e até cogitei em retornar para Volta Redonda e fazer o caminho dos caminhões, que geralmente entram na Rio/Bahia passando por Três Rios.

Felizmente um amigo do Clube XT 600, o Gilmar Assafrão, entrou na conversa e, como residente no Rio, me repassou com segurança o caminho a ser feito. Descer a Serra das Araras e logo depois do pedágio passar por baixo de um viaduto, entrar na alça e seguir pelo Arco Metropolitano rumo a Magé, estrada nova que me levaria de volta à BR 116 em menos de 40 km. Maravilha!

Café da manhã no posto ao lado do Motel; um morno café com leite em copo americano e um pão com manteiga passado na chapa: R$6,00. Estranhei...

Das sete às nove da manhã, desci a Serra das Araras e subi a Serra dos Órgãos. Pensem num banquete para os olhos!

Atenção ao descer a Serra das Araras. Os caminhões tipo cegonha, pelo seu comprimento, ocupam as duas faixas durante as curvas. Complicado ultrapassar. Um cegonheiro sinalizou para eu passar, fiquei na dúvida e ele logo refez o gesto avisando que ou eu o passasse logo ou desistisse!

A subida da Serra dos Órgãos é belíssima. Estrada antiga, vegetação exuberante e paisagens de limpar a vista. Tive até vontade de entrar em Teresópolis, mas passei direto. Além de estar sozinho, sem a namorada na garupa, meu foco era Teófilo Otoni.

Em Além Paraíba entrei em Minas Gerais e fui curtindo o Mar de Morros, as antigas fazendas e os cafezais nas margens da estrada. Uma bela região.

Lanche em Minas Gerais no Posto da Bica; delicioso pastel de queijo e um copo cheio de café novo e quente: R$1,00. Bem-vindo a Minas!

No cruzamento com a BR 262 me confundi no trevo e só percebi a burrada quando já estava dentro de Manhuaçu. Que raiva! Eu, que esperava não rodar à noite para chegar a Teófilo Otoni não podia cometer esses erros de desatenção. E ainda tive que encarar tráfego muito lento para retornar...

Porém tudo deu certo e, depois de sobreviver às lombadas e fotosensores de Caratinga e Governador Valadares, na boca da noite, cheguei a Teófilo Otoni. Fui direto para o já conhecido Hotel Palmeiras, para o merecido descanso e um lauto almoço noturno, frango à cubana, já que praticamente não sou de comer nada durante a pilotagem.

Dia bom de estrada, rodei, sem frio, sem chuva e sem calor, belos 820 km.

Neste retorno, ao passar por Governador Valadares, conclui o “hiato” que faltava para completar a BR 116 por inteiro. Assim sendo, creio ter cumprido o Desafio Rodoviário dos Fazedores de Chuva de rodar por toda extensão da BR.

Ao sair de Teófilo Otoni às sete horas, o clima estava agradável, até puxando para o frio, já que havia dispensado todas as proteções internas de chuva e de frio da roupa de viagem, até abri todas as janelas de ventilação.

Estrada bacana, serpenteando entre morros, imponentes chapadões e majestosos monólitos. Tráfego tranquilo.

Bastou entrar na Bahia que a graça da estrada se foi. As curvas se alargaram em infinitas retas que me faziam pensar que não saía do lugar por mais que torcesse o punho. Muitos caminhões enfileirados que, nas dezenas de lombadas ao cruzar qualquer lugarejo pareciam parar.

Um calor escaldante me banhava. Um único chumaço de nuvem transformou-se em imaginário capacete e logo sumiu. Ô Nordeste seco!

A tarde findava quando consegui me desvencilhar do trânsito infernal do contorno de Feira de Santana.

O sol se pôs magnificamente e cheguei a cidade de Serrinha ainda vendo as pinceladas cor de rosa traçadas pela dura natureza nordestina.

Serrinha é uma cidade bacana, limpa, arrumada e com belas praças. O problema é a música em alto volume nas lojas, nos bares, nos restaurantes e nos carros, como em todo lugar da Bahia. Foram 855 km de chão. Êh Brasilzão!

Dia longo, mas tranquilo. Fui ao acostamento por três vezes, dois caminhões e um automóvel. É sacanagem, mas não teve susto. Coisa esperada nesse trecho de estrada. Infelizmente.

Depois dessa viagem, acho que vou passar uns tempos longe dessa parte da BR 116...

Sem aguardar o café da manhã na pousada, saí de Serrinha pouco antes das seis horas da matina. O dia ainda não havia clareado e uma cerração grossa, como uma chuva que não caia, cobria a cidade e a estrada. Vi um nascer de sol surreal com nuvens lambendo a seca caatinga.

A estrada era terrível. Remendos em alto relevo, lombadas altíssimas a cada instante e nem se fala em acostamento. Parecia estrada de certo país do terceiro mundo da América do Sul...

Até para uma moto como a minha a pilotagem era extremamente desconfortável.

Melhorou depois de Canudos. Mas aí vieram os cabritos na beira da pista...

Dei uma rápida entrada em Canudos Velho para ver se encontrava uma miniatura de escultura do Antonio Conselheiro feita em tronco de árvores. Não havia... Mas se eu não rodasse estes 18 km jamais saberia.

Ao abastecer em Salgueiro tentei comer um salgado, mas estava tão ruim que descartei na primeira mordida. Mesmo assim o desavergonhado balconista cobrou.

Engraçado, no último dia de viagem encontrei exemplares do Guia 4 Rodas que tanto procurei... comprei dois. Mas isso não foi nada, ao chegar em casa não é que encontrei o meu Guia?

Depois de Salgueiro o calor chegou com muita força. Abrir a viseira para pegar um vento era o mesmo que ser soprado pelo bafo do capeta.

Estrada ogra. Piloto ogro! Acelerei forte e ultrapassei com mais ousadia. Não dei atenção a fotosensores de arrecadação porque a placa da moto estava bem suja, em sintonia com o estado da motocicleta. Praticamente não comi ou bebi água.

Ao parar para abastecer no Icó. O único funcionário do posto dormia numa rede e não havia buzinada que o despertasse. Segui adiante pensando em logo encontrar outro posto na zona urbana de Icó. Não encontrei. E agora? Depois dali só me lembrava de posto cerca 90 km adiante, em Jaguaribe.

Será que daria para chegar mesmo maneirando a tocada e evitando atrito com o ar? Imaginei-me procurando gasolina avulsa nos lugarejos. Por sorte havia um suspeito posto no meio do caminho que, sedento, nem me preocupei com a qualidade da gasolina. A "Kombi" bebeu tudo sem reclamar.

Andei mais forte, ponteiro do velocímetro mostrando 140 muitas vezes. Cheguei a Fortaleza as cinco da tarde direto para o Cadê Meu Troco, boteco onde amigos motociclistas se encontram, e ali brindei e comemorei a viagem e a chegada com amigos e namorada.

Rodei 1020 km neste dia.

A moto foi perfeita o tempo todo. Curiosamente o pneu dianteiro mostrou desgaste maior do que o traseiro.

Foi tudo muito bom.

É fantástico rodar este imenso Brasil de ponta a ponta. Conhecer regiões fora do roteiro do turismo de escala.

Devorei 10 640 km em 25 dias de viagem. Tudo deu certo. Até coisas que foram combinadas e depois não realizadas contribuíram para que tudo desse certo.

Algumas semanas, após enviar as fotos e os comprovantes de ter rodado por toda a BR 116, recebi, emocionado, a homologação de “Rodoviário Fazedor de Chuva”.

Publico, abaixo, a mensagem do Gilmar Dessaune, administrador do Fazedores de Chuva, sobre a minha viagem:

"Boa noite, agora, RODOVIÁRIO FAZEDOR DE CHUVA - BR-116 Luiz Almeida,


Depois de tantas idas e vindas em termos de postagens é com muita emoção (fico arrepiado) que podemos dizer que seu desafio está devida e justamente HOMOLOGADO!!!!


Parabéns pela grande conquista e me desculpa pelo "zelo e rigor", mas precisamos deles para que cada conquista seja JUSTA e REAL, valorizando cada um de vocês, Adoráveis Insanos que saem do status quo, colocam suas vidas em risco mas que, desta forma, vivem intensamente cada metro rodado e cada cidade visitada. Conquistando territórios e, mais importante ainda, novas amizades e fortalecendo as já tradicionais.


Para nós, homologar um desafio é mais que simplesmente aplicar um carimbo, mas reconhecer um mérito de direito de cada um de vocês e isso é espetacular, emocionante!!!!


Cada aventura é vivida por todos nós que ficamos nas garupas virtuais e as suas emoções nos contagiam e nos compelem a querer ir sempre mais longe.


Que venham novas e novas conquistas, agora você é integrante efetivo da Elite do Motociclismo Mundial e tê-lo no TFC é uma honra e satisfação.


Grande abraço e recebe o selo da coquista sob seu nome coroando um título que jamais lhe será subtraído.


"Qualquer um pode fazer, porém, poucos o fazem...", agora, você está neste seleto time dos que REALIZAM!!!! PA-RA-BÉNS!!!!"

Resumo da viagem:

09/05/2016 Fortaleza-CE – Feira de Santana-BA 1 082,2 Km (BR 116)
10/05/2016 Feira de Santana-BA – Governador Valadares-MG 929,2 Km (BR 116)
11/05/2016 Governador Valadares-MG – Santuário do Caraça-MG 312 Km (BR 381)
12/05/2016 Santuário do Caraça-MG – Belo Horizonte-MG 165 Km
15/05/2016 Belo Horizonte-MG – Capitólio-MG 280 Km (MG 050)
17/05/2016 Capitólio-MG – Sorocaba-SP 452 Km (SP 340)
18/05/2016 Sorocaba-SP – Santa Cecília-SC 636 Km (BR 116)
19/05/2016 Santa Cecília-SC – Porto Alegre-RS 463 Km (BR 116)
20/05/2016 Porto Alegre-RS – Jaguarão-RS 388 Km (BR 116)
21/05/2016 Jaguarão-RS – Santa Cruz do Sul-RS 412 Km (BR 116 e BR 471)
22/05/2016 Santa Cruz do Sul-RS – Cambará do Sul-RS 318 Km (BR 453)
23/05/2016 Cambará do Sul-RS – Urubici-SC 412 Km (BR 101)
24/05/2016 Urubici-SC – Florianópolis-SC 170 Km (BR 282)
26/05/2016 Florianópolis-SC – Pitanga-PR 640 Km (BR 101 e 277)
29/05/2016 Pitanga-PR – Registro-SP 590 Km (BR 277 e BR 116)
30/05/2016 Registro-SP – Piraí-RJ 610 Km (BR 116)
31/05/2016 Piraí-RJ – Teófilo Otoni-MG 800 Km (BR 116)
01/06/2016 Teófilo Otoni-MG – Serrinha-BA 855 Km (BR 116)
02/06/2016 Serrinha-BA – Fortaleza-CE 1 022 Km (BR 116)

Total no odômetro da moto: 10 640 km

Luiz Almeida

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